segunda-feira, 26 de julho de 2010

OFICINA SOBRE PATRIMÔNIO DE CEARÁ-MIRIM

Apresentação da oficina sobre patrimônioDia 13 de julho de 2010 realizei oficina sobre os patrimônios histórico, cultural, ambiental e arquitetônico de Ceará-Mirim com professores do C.E.I. Rui Miranda.
A oficina surgiu de um convite das professoras Socorro Brandão, Adriana Machado e Mirian Eustáquio a fim de que fosse possível trabalhar temas relacionados a Ceará-Mirim com alunos do ensino infantil.

Apresentação das sugestõs para atividades

As sugestões dos professores foram muito bem elaboradas e terão grande importância durante as atividades realizadas na escola no período das comemorações de emancipação política do município.
Seria muito interessante que as sugestões e planejamentos dos professores não ficassem restritos apenas ao período de emancipação do município, mas, que fossem trabalhados durante todo o ano letivo.

Sugestão de atividades com imagens de patrimônios

Quero agradecer ao convite e reforçar que, quando solicitado, estarei sempre à disposição para contribuir com a valorização, preservação e divulgação da memória de Ceará-Mirim.

LEITURAS VISUAIS DE ILHA BELA

É muito legal poder contribuir com a arte de nossa Ceará-Mirim.
Muitas vezes saio sem destino fotografando o vale, seus velhos engenhos de açúcar, a cidade encantada e seus casarios do Império e me surpreendo quando recebo por E-mails de pinturas realizados pela nossa "Picassa" Alice Brandão.
Na fotografia abaixo procurei retratar o sofrimento da velha Ilha Bela olhando tristmente para a cidade que a dominou e permanece testemunha de sua persistência em continuar altiva, dominando o vale.
Alice Brandão, através da pintura, fez sua leitura baseada na fotografia e acrescentou à paisagem uma criança sobre os escombros da velha usina, Ela brinca soltando pipa com estampa da bandeira do Brasil, provavelmente, a energia juvenil simbolize a esperança de um dia podermos acreditar no amanhã promissor... uma reinvençao da manhã da criação do eterno Nilo Pereira.


Fotografia de Gibson Machado - Usina Ilha Bela

Pintura de Alice Brandão



AMOR por Maria Alice Brandão


Amor
Como posso deixar palavras lindas ao vento?
tento entender vc aí!...
Q me escreve...Começo a perceber o qto somos parecidos um com o outro...Será q já nos conhecemos?...hum....As vzs descarto palavras, e só escuto o q quero...só vejo o q quero...e amo quem n quero.
As vzs deito pra me levantar simplesmente...são 4:00hs da manhã...e penso...de onde te conheço? como posso gostar de alguém q n vejo? e pergunto-me..."os cegos amam"?
Me envolvo de perguntas q me deixam pensar, e começo a recolher palavras q se passaram no ar...sinto até o cheiro delas, tem umas q cheiram a flores, outras a desespero...outras buscam amor...cato todas elas com carinho, e fico confusa por brigar c o tempo, pois somos as vzs inimigos qdo nas minhas ansiedades...mais somos velhos amigos e andamos as vzs de mãos dadas, eu submissa as suas vontades, esperando sempre o tempo me levar um dia p algum lugar...
Aí ficarei como as palavras soltas no ar...p uns com cheiro de flor...p outros desespero...p outros q buscavam amor... e quem sou eu?...arroto alto qdo estou sozinha...me acho feia e descabelada...carrego um corpo pesado pela gula... todo dia jogo um monte de lixo pra fora...mudo de rua de vz em qdo...
Ando questionando velhos assuntos comigo mesma, e muitas vzs calo sozinha, e muitas vzs mato o silêncio c o canto...jogo fora sempre a solidão...me agarro a velhos teclados onde produzo harmonias e amores...aí começo a ver q sou quase igual a vc aí...q tem os meus velhos costumes, as mesmas chatices q eu rs ....e fico a pensar...tem q haver uma explicação...olho p baixo c olhos tristonhos por n te ver...questiono minhas questões mais uma vez...
Olho p cima pois os lados n me interessam... e vejo palavras caindo em mim...descem como suspiro de um bálsamo e começo a entender Aquele q me amou primeiro...q se entregou por mim, sem me conhecer, q tinha talvez velhos costumes comuns como eu...
Q me ensinou a amar como Ele, assim como amam os cegos.
E vejo o qto me amo p poder amar vc...rs é engraçado!
Grande sábio essa pessoa é...desde o dia q pediu p amar vc aí...sem questionamentos disse:"AMAI SEU PRÓXIMO COMO A SI MESMO"! pois n é q dá certo????
Cá estou eu entre letras tecladas, catando letrinhas bem cedinho só pra dizer a vc aí, q te amo muiiiiiiiiiiiiiiiiiiiito incondicionalmente, só pq vc n me conhece...so pq vc tem os velhos costumes como eu, só pq tem o mesmo amor DAQUELE q me amou...e começo o dia feliz...em saber q posso continuar te amando, q vc tbém pode continuar me amando...
E desta vez olho p os lados, e continuo amando de mãos dadas ao tempo, q me conduz a algum lugar, q certamente fará meus olhos vê a pessoa q tu és q continuo amando.
Bjs no coração. Euzinha inspirada hoje kakakaka .... feliz c a vida ... feliz por ter vc ai VIU?


Licinha

domingo, 25 de julho de 2010

UM COMÉRCIO FLORESCENTE

UM COMÉRCIO FLORESCENTE

Texto do Livro “Vultos, fatos e saudades” de Inácio Cavalcanti, publicado pela Editora Líber – Recife/PE – 1985.


Mercado Público de Ceará-Mirim - julho de 1939 - foto de Julio Senna


“A Praça do Mercado era o centro da cidade e fazia gosto apreciar a movimentação da feira aos sábados, considerada com orgulho a maior do litoral rio-grandense. Exagero, certamente.
Ali estavam todas as lojas, mercearias, sapatarias, alfaiatarias, enfim tudo que o mais exigente comércio da época requeria para a completa satisfação do mais ronhento freguês.
Muito importante no comportamento comercial do Ceará-Mirim era o congraçamento e a lisura com que todos os competidores se haviam, sem invejas e sem hostilidades. De Boaventura de Sá a Simeão Barreto, de Chicó Pereira e Sebastião Araújo, de Raimundo Pacheco a Chico Dantas, de Luis Ferreira a Chico Correia – maiorais da economia do varejo – até o mais humilde bodegueiro, o respeito humano e a ética profissional se constituíam parâmetros intocáveis na vida daquela gente. O sucesso comercial visitou grande número de famílias, muitas das quais legaram aos seus descendentes fortunas garantidoras de uma continuidade progressista e tranqüila.
O Sobrado de Chico Correia, onde ele próprio residia, servia também, em seu pavimento térreo à versátil loja, dividida com seu filho Manuel. No seu corpo auxiliar, excelentes e educados balconistas – os caixeiros na época, notadamente o Epitácio, o Raimundo e o Zé Honório. Loja mista, tecidos, sapatos, presentes, mercadorias importantes e o que mais estivesse em moda encontraríamos em Francisco Correia.
No mesmo bloco da Praça, na outra esquina, o maestro Luis Ferreira explorava a panificação, mestiçada com pequena mercearia. Calmo andar moroso, de mãos para trás, dividia seu tempo entre o comércio na Praça, o sítio, que distava um quilômetro do centro da cidade, e a música, de quem era apaixonado. Conhecia bem sobre piano, violino e bandolim e tinha ouvido apurado para compor ou interpretar sofisticadas orquestrações. Insistia com rigor quanto aos seus filhos no aprendizado do piano, conseguindo fazê-los excepcionais no teclado: eram mágicos os dedos de Luizinha, Conceição e Geraldo.
Memória reduzida que tenho de Pedro Vasconcelos. Em outra esquina da Praça, um verdadeiro império comercial, pela extensão e força econômica.Por muitos anos a sua influência e comentada visão o destacaram. Foi inegavelmente um dos maiores vultos do mundo dos negócios e da política do Ceará-Mirim. E na vida social não foi menos sua participação. Difícil se imaginar algo na cidade que não tivesse o concurso de Pedro Vasconcelos. Inimitável leiloeiro na festa da padroeira. Argúcia invejável na maneira de conduzir a oferenda para um valioso preço.
Sebastião Araújo, aliado aos sobrinhos, também foi grande e acatado comerciante, com estoque correspondente à diversificação e exigência da clientela. Sucedeu, no mesmo ponto, às atividades encerradas por Pedro Vasconcelos. Não se pode deixar de mencionar o Sebastião, como valoroso partícipe do progresso e vida do Ceará-Mirim. Orientou de modo mais racional e fraterno os familiares, com quem dividia suas rendas, encaminhando-os a uma independência normal e pessoal.
Antonio Demerval, o Potengi conhecido, foi o mais destacado dos seus membros, tornando-se depois Tabelião Público e figura de proa nos acontecimentos sociais da cidade. Presidiu o Centro Esportivo e Atlético, com devotado entusiasmo. Foi, na juventude, um dos seus mais evidentes atletas, ao lado do irmão Jurandir.
Saindo de Caraúbas, alto sertão norte-rio-grandense, fixou residência no Ceará-Mirim o Francisco Pereira, Casou-se com Alzira Sá, filha do velho Boaventura. Tornou-se próspero comerciante em outro canto da praça do Mercado, com espaçosa loja, vendendo de tudo, inclusive com departamento e bebidas de grosso e varejo, ramo que explorou por muitos anos. Amável, sorridente, contando sempre uma piada da terra natal, enfatizava a coragem de sua gente, de sangue quente, sem levar para casa desaforo.
O cemércio se envaidecia de ser eminentemente local, embora as Lojas Paulistas, hoje Pernambucanas, se tivessem estendido a várias cidades nordestinas. Uma gratificante gerências dessas lojas no Ceará-Mirim foi a exercida pelo Minervino, integrado que ficou de corpo e alma à terra adotada. Encontrou ali tempo para, além do comércio, dirigir teatro, criar grupo cênico e pessoalmente interpretar peças locais.
A alfaiataria de José Coutinho, vizinho ao armazém do seu Boa, gozava de conceito da melhor da cidade. Seu titular, fino de trato e falar baixinho, sabia conquistar a confiança dos clientes, mostrando figurinos mais recentes, vindos do estrangeiro, numa afirmação de sua atualização com a moda masculina.
Havia também os carrancudos como o Manuel de Moura Barreto, com sua loja ao lado do tio Simeão. Amenizava entretanto sua cara de pouca conversa, o seu auxiliar, o versátil e inteligente Luis Vilela.
Comerciante modesto mas integrado no seu meio foi o Pedrão, nome dado talvez pela sua estatura pouco comum.
Acrísio Marinho, constrói um sobrado e instala na parte térrea uma padaria com rigores de higiene nunca vistos na cidade. Associou-a com paralelo comércio de mercearia, rapidamente alcançando sucesso financeiro.
O tempo correu e muitos dos comerciantes da terra retiraram-se das atividades, uns dobrados pelos anos, outros deixaram o nosso mundo para sempre. Houve ainda os que fracassaram, depois de promissor início. Mudaram as fisionomias, e gente nova tomou conta da cidade. Apareceram os Venâncio, Manuel Luis, Paulo Rocha, Antonio Ramalho. Até um pequeno Supermercado se implantou.
O prédio onde funcionava a padaria de Luis Ferreira cedeu lugar à edificação de um grande armazém com novo proprietário à sua frente, o Hélio Venâncio. Sua viva acuidade nos negócios garantiram-lhe progresso e confiança do povo, que passou a acreditar nos seus propósitos, como bom prestador de serviços.
Outro comerciante da Praça do Mercado bem sucedido nos negócios foi o Paulo Rocha – o Paulo Toió da nossa meninice. Início modestos, alcançou o porto dos seus desejos, ostentando hoje o troféu de um dinâmico homem de empresa.
Também o Jurandir Carvalho iniciou um estabelecimento comercial naquela praça com uma perceptível feição de sucesso. Mantendo por muito tempo,repassando-o a outro comprador finamente.
Se o comércio que circulava o mercado levantava a economia da cidade, não menos importante era o que se movimentava dentro do próprio mercado.Pequenas mercearias, conhecidas como locais lá estavam o dia todo, já iniciando o trabalho ao quebrar da madrugada, quando os pesados e majestosos portões do mercado dava, passagem a sua costumeira freguesia. Somente ao cair da tarde um sonoro sino avisava o final do expediente.
Miscelânea autêntica, pelos mil e um artigos existentes, a venda de Chico Dantas tinha as suas prateleiras abarrotadas de mercadorias variadas, inclusive produtos estrangeiros. De confeito a pinico,vendia tudo. Humor e atenção não faltavam naquela venda. Quando não atendia alguém, conversava com pessoas que por ali passavam para contar ou ouvir as novidades do dia. A localização da venda, no foco da Rua da Aurora, à meia distância dos Cafés de Cleto e Jorge, pertinho do cinema Rialto e no trecho mais movimentado da rua, dava garantia de uma constante freguesia.
Na Rua Grande, afora a atração diária dos trens, uma outra convocada parte da sociedade local ia a um encontro costumeiro, que se tornou tradição: o bate-papo na venda de Raimundo Pacheco. Não era das mais sortidas a sua bodega. Era, entretanto, privilegiada de situação, ventilada, sombreada, convidando a um auto-horário antes da subida à cidade alta. Transferiu depois para um dos seus filhos – o Murilo Pacheco – que a transformou em grande e estocada mercearia, onde ganhou o suficiente para se tornar depois senhor de terras no verde vale.”
O livro apresenta o comércio de Ceará-Mirim nas décadas de 1940 e 1950, no entanto, hoje, ao olharmos o entorno do Mercado, estão lá, os mesmos prédios, modificados, porém, continuam no mesmo espaço. Não ocorreram tantas transformações em nosso comércio. Está um pouco mais evoluído, entretanto, as edificações continuam servindo a população como sempre foi o seu destino.
Assim Ceará-Mirim continua buscando progresso, harmonia e fraternidade, lutando por um mundo melhor para seus filhos, com a esperança de que algum dia possa evoluir, gerando emprego e possibilitando acesso a educação (completa) aos seus filhos, para que eles não se desloquem de sua terra tão querida, em busca de um mundo melhor em outros lugares distantes... Emigrando eles não retornarão!!!

FIGURAS E FATOS QUE O TEMPO NÃO ESQUECE

FIGURAS E FATOS QUE O TEMPO NÃO ESQUECE
Por Antonio Sergio M. da Silveira - Bacharel em História - UNP

Seu Egidio fazendo o transporte de água em seus burrinhos

Todos os países do mundo, raças, grupos humanos, famílias, classes profissionais possuem um patrimônio de tradições que se transmite oralmente e é defendido e conservado pelo costume. Esse patrimônio é milenar e contemporâneo. Cresce com os conhecimentos diários desde que se integrem nos hábitos grupais, domésticos ou locais.
Dessas tradições populares, por ser o homem mandatário do seu tempo, faz-se necessário lembrar velhas figuras e alguns fatos que, na distância dos tempos idos, povoarem o imaginário de toda e qualquer criança, bem como, dos adultos do meu tempo.
Do Ceará-Mirim que conheci, lembro-me de Rosinha, doce velhinha que pelas ruas perambulava com sua boneca, maltratada pelo tempo, dizendo se tratar da filha que nunca tivera.
Lembro-me da pessoa de Orelhinha, vigia pontual, pai respeitado e fonte de algazarras das crianças que não fossem as suas. Nessas lembranças faz-se presente à quadrinha que, no lirismo infantil, era entoada nos jardins da Praça da Matriz:

O Galo canta;
Macaco assovia,
(...) de burro,
No (...) do vigia.

Todavia, a brincadeira terminava quando o mesmo, no ímpeto de fugir daquela situação, conclua os versos com a mais pura das palavras:

E se não fosse o vigia,
Menino safado...
Sua Mãe não paria.

Recordo-me, também, da figura de Aluízio Morreu, perturbado pelo tempo, fruto da campanha política de 1960, entre Aluízio Alves e Dinarte Mariz.
Quem não se lembra de Bigode de Arame, velhinho bom, homem trabalhador que, acompanhado por seu burrinho, fiel companheiro, de lata em lata abastecia d’água as cisternas das casas de Ceará-Mirim.
E Miê, sujo como ninguém, revoltado com tudo e contra todos, figura impoluta das crianças do meu tempo.
Lembro de cuíca, pessoa doentia, que das poucas palavras que pronunciava, nove entre dez eram palavrões.
Povoa-me a memória a figura de Aucha, empregado do Sr. Paulo Rocha que, injustamente, as más línguas atribuía a ele o furto do peru do seu patrão.
Vejo Edinho, nas suas andanças pelos quintais alheios em busca das galinhas perdidas. Um episódio deste se sucedeu no quintal do Sr. Joaquim, quando ao cair da noite, o mesmo teria posto abaixo o teto do galinheiro. Atordoado pelo barulho povoado pelo estrondo, o Sr. Joaquim teria gritado da cozinha de sua casa: o que é isso? Quem está aí? Edinho ao perceber a aproximação do dono da casa, sai com essa: “ou seu Joaquim, que serviço mal feito!!”.
Outro que, tardiamente, se faz presente é Cabrinha. Certo dia ao ensaiar um ataque epiléptico durante uma manifestação política, no Largo do Mercado. Preocupando a todos, o mesmo se levanta e sai logo com essa pérola: “Quem está com Geraldo não DIZMAIA”.
Porém, nesse universo de recordações, outras figuras e fatos menos pitorescos, livre da rotulação das crianças povoam os meus sonhos.
Vem à tona o Sr. Graciano com seu velho caminhão pipa, cuja ignição era acionada por uma manivela posta à frente do motor que ao se mover, enchiam de esperança os lares de Ceará-Mirim com as águas dos olheiros Pedro II, Diamante, entre outros.
Desse Ceará-Mirim, me vejo nas farmácias de Lourenço, Chico Padre e Pedro Gomes, a mando dos meus pais, em busca de mertiolate para sarar os furúnculos extraídos pelo Sr. Ozéias.
Lembro-se do comércio de Ceará-Mirim, da mercearia de Agenor Câmara, do Ponto Comercial de Manoel Luiz, o maior do meu tempo ou quem sabe, das insistências em comprar saco na bodega de Pedrão, que maldade!
Nessa andança, me vejo na Loja de Pedro Costa. Escolhendo um tecido ou na Casa Correia, para num futuro próximo, ser cortado e costurado, transformando-se em vestuário pelas mãos talentosas de Dona Luizinha ou quem sabe, compra-las na Lojas Paulistas.
Nesse manhã de criação, não poderia esquecer a Feira-livre aos sábados e domingos; o vai-e-vem das pessoas buscando o que comprar; o velho mercado, com seus locais espalhados no seu quadrante. Destes, me desloco para o de Seu Joaquim, na busca de comprar a melhor carne de Ceará-Mirim.
Ah! Não porém esquecer o cinema de Chico Uriel, as Matinês, os roletes de cana, pirulitos sobre as tábuas, o cachorro “quente” de soja, os polís vendidos em sua calçada em sua calçada, tamanha guloseima.
Relembro a Festa da Padroeira, Nossa Senhora da Conceição, dos botequins de palhas enfeitadas com bandeirinhas de papel seda, das cestas recheadas de castanhas de caju; da abertura da festa, vendo a frente da Banda de Música o Tenente Djalma.
Vejo-me na praça da Matriz, na sorveteria do Senhor José Bonifácio, comprando um picolé a pessoa conhecida por “Criança”.
Desloco-me para dentro do “Magirius”, referência em transporte urbano de Ceará-Mirim que, ao “piscar dos olhos” estava logo-logo em Natal... se não ocorresse a baldeação da ponte de Igapó.
Nessa viagem ao passado me ponho diante das lembranças de um tempo que não volta mais. Permita-me o “hoje”, mas o “ontem” era bem melhor.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

VISITA AOS ENGENHOS

Marcos Aurélio, Gibson Machado, Lohan e a coordenadora do curso

Terça-feira dia 13/07/2010 fui convidado para fazer a saudação aos alunos do IFRN que cursam Produção Cultural e em seguida os acompanhei na visita aos pontos históricos da área urbana de Ceará-Mirim e, também, visitamos os engenhos do vale.
Foi muito gratificante a companhia da turma do IFRN. Quando fiz a saudação à turma estavam presentes professores, alunos e Marcos Aurélio que foi a pessoa que articulou a aula de campo. No Mercado Público se juntou ao grupo o guia Lohan, rapaz competente e muito dedicado em estudar a história do município.
A primeira visita foi à Prefeitura onde a turma foi recebida pelo sr. Marcelo, secretário de Turismo e em seguida pelo vice prefeito Luiz Antonio.

Gibson Machado falando sobre a matriz de Ceará-Mirim

Na Estação Cultural a turma foi recepcionada por Edvaldo Morais representando a Fundação Nilo Pereira que deu as Boas Vindas a turma e em seguida fiz algumas projeções de fotografias antigas retratando a história de Ceará-Mirim.

A parada na ruína do engenho Guaporé deixou alunos e professores inconformados com o atual estado de abandono daquele patrimônio municipal. A situação do prédio está cada dia lastimável e as autoridades do Estado não tomam nenhuma providência.

Seria interessante que nossos líderes políticos fizessem os atuais candidatos a governador assinarem um termo de compromisso com Ceará-Mirim para restaurar o Guaporé e construir a Casa de Cultura em nossa cidade.

Prosseguindo a viagem fomos até o engenho Nascença quando fomos recebidos por Sheila Varella que abriu a casa grande do engenho para que os alunos vivenciassem um pouco da história de Ceará-Mirim através da família Varella representada pelo Barão Manoel Varella do Nascimento e sua descendência. Ali estão guardadas verdadeiras relíquias históricas do muncípio.


Cabriolé que pertenceu a José Felix filho do barão de Ceará-Mirim - enegnho Nascença


Além de visitar os antigos engenhos tivemos o privilégio de sermos recebidos pelo ambientalista Luiz Correia em seu espaço cultural no Rancho Boca da Mata que nos presenteou com um verdadeiro museu cujas peças são bem diversificadas e contam retalhos da história da gente do vale.

Rancho Boca da Mata - no centro de azul Luizinho Correia e professores de IFRN


A última parada do roteiro foi no engenho Verde Nasce quando a turma foi recebida pelo ex-vereador Franklin Marinho profundo conhecedor da história de Ceará-Mirim. Franklin falou sobre a origem da cidade e a histórica econômica do município, seu apogeu e sua decadência. Emocionado declarou seu amor e carinho pela terra querida.


Engenho Verde Nasce - no centro Frankllin Marinho

Finalmente retornamos a Ceará-Mirim com a certeza de que cumprimos a nossa parte apresentando a cidade e seus encantos àqueles futuros produtores culturais, pois Ceará-Mirim tem muita história e lugares maravilhosos que precisam ser mostrados ao mundo.






terça-feira, 20 de julho de 2010

HAMILTON DE SÁ DANTAS

Queridos amigos e amigas:

Tenho muito orgulho e sinto-me honrado em apresentar o perfilado dessa semana.
Trata-se do Cearamirinense Hamilton Dantas que reside em Brasilia onde é Juiz Federal.
Fizemos uma longa caminhada juntos - da infância à maturidade - onde o nosso norte sempre foi a amizade. Mas não é por amizade que hoje o destaco entre as minhas admirações. Costumo dizer que não atribuo a bondade aos meus amigos por essa condição, ao contrário, tornam-se meus amigos exatamente porque são bons.
Hamilton é um exemplo de lealdade, correção e dignidade.
Honra a magistratura nacional, tanto quanto aos que o tem como amigo.
Bom fim de semana, inspirado pelo modelo inspirado por Hamilton.
Abraços fraternos
Pedro Simões

DO VERDE NASCE
HAMILTON DE SÁ DANTAS

Diz a lenda que Alexandre da Macedônia, filho de Felipe, um dos maiores guerreiros e estrategistas que o mundo conheceu, testamentou a sua última vontade, decidindo sobre a cerimônia do seu enterro: haveria um séquito dos seus médicos, em atitude de humildade, a exposição pública de todos os seus tesouros e que o seu ataúde fosse conduzido aberto, com os seus braços projetados para fora, as mãos espalmadas.
Explicava o jovem general, conquistador do mundo, que queria que os seus súditos soubessem que não há ciência capaz de suplantar a vontade divina; que ninguém leva consigo os tesouros que amealhou na sua vida terrena; e que chegaria na outra vida com as mãos vazias .
Creio que o discípulo do filósofo Aristóteles, cujos atos de estratégia e de beligerância, surpreenderam e estremeceram os povos da antiguidade, aprendeu uma lição de sabedoria : sic transit gloria mundi. Tudo é efêmero. O que conquistarmos do mundo físico e aquilo que nos tornarmos em razão da busca do poder, da riqueza ou da glória, permanecerá aqui. Nada nos pertence e nada será incorporado.
Pois bem, se quisesse, Hamilton de Sá Dantas, juiz federal por vocação e escolha, faria inveja a muitos que ambicionam esses valores dados por Alexandre como inúteis.
Descende de ilustríssima estirpe: do lado paterno é neto do Desembargador Fàbio Máximo Pacheco Dantas, luminar da ciência jurídica potiguar, e bisneto do Coronel da Guarda Nacional Felismino Dantas, fundador do Partido Republicano e o seu chefe político no estado, foi inúmeras vezes Prefeito de Ceará-Mirim e outras tantas vezes deputado à Assembléia Estadual, ambos os patriarcas proprietários, sucessivamente, dos engenhos de açúcar União e Verde Nasce.
Do lado materno, é bisneto de Boaventura de Sá, abastado senhor de engenho, proprietário do Engenho Capela. É também bisneto do Coronel Manoel Pinto, ilustre cidadão e proprietário de terras do município de Ceará-Mirim.
Seu pai, Herbert Washington Dantas, carinhosamente conhecido como Betinho, foi proprietário do Engenho Varde-Nasce, esteve no exercício do cargo de Deputado Estadual e, dentre outros projetos que concebia com visão futurista, deslocado do seu tempo, destaca-se o da construção de uma ponte rodo-ferroviária sobre o rio Potengi, antecipando-se à inevitável corrosão da estrutura de ferro, alcançada pela maresia, da ponte que serviu durante anos aos comboios ferroviários e, subsidiariamente, à travessia de veículos automotores.
O “visionário” Betinho, pai do nosso perfilado, foi vereador e depois candidato a Prefeito de Ceará-Mirim e, segundo pesquisa mandada aplicar pelo então Prefeito de Natal, Agnelo Alves, um dos líderes do MDB, sua vitória era fato consumado, não fosse a falta de oxigenação no dia das eleições. Fui um dos coordenadores da campanha do pai do meu amigo Hamilton e daqueles que tinha certeza de que, uma vez eleito, Herbert Dantas faria uma das mais eficientes gestões municipais dentre as Prefeituras do estado.
Filho, neto e bisneto de políticos, senhores de engenho e de personalidades que se puseram adiante do seu tempo, essa a herança recebida pelo hoje juiz federal, menino da bagaceira do engenho Verde-Nasce, Hamilton.
Por esses vieses, por ser quem é porque quis ser assim, faço introdução ao relato da pessoa humana, muito humana, do meu amigo Hamilton, a quem apelidei na juventude de Conde de Sá Dantas. Um que tem a percepção de que é mais sábio, coerente e justo, buscar a própria evolução através do cultivo de valores pessoais que enriqueçam ao espírito, que o de vangloriar-se de suas ascendências e amealhar o ouro e a glória que, bem a propósito, são estigmatizados num dos mais eloqüentes e reflexivos epítetos sobre o assunto, utilizado como título de um dos livros de autoria de Álvaro Lins “A glória de César e o punhal de Brutus”.
Toda a glória conquistada por onipotente Júlio César, jazia ali, aos pés do traiçoeiro Brutus, vítima do seu punhal.

Na segunda metade dos anos cinqüenta, a turma de internos composta por cearamirinenses era uma das mais numerosas do colégio Marista: Gilberto Sobral, Marcelo Varela, Gilberto Brandão, Chiquinho (Francisco de Assis) Dantas Barreto, Hamilton Dantas e eu.
Desses, só Hamilton e eu fazíamos parte da “turma dos menores”, assim considerados os que tinham até doze anos. Os outros eram “maiores”. Talvez por isso, pela idade e pela partilha da terra comum, os dois tivemos um relacionamento mais estreito. E talvez só essas circunstâncias expliquem a nossa amizade, porque éramos muito diferentes.
Enquanto Hamilton era “endiabrado”, expansivo e popular, eu era tímido, introvertido e pouco dado a amizades. Dedicava-me à leitura e aos estudos e Hamilton às brincadeiras e práticas esportivas. Vivia “de castigo”, de pé contra a parede, vítima, principalmente do nosso irmão “regente” – de fato um ditador – a quem chamávamos sugestivamente de “Polón”, numa alusão ao ditador argentino Juan Manuel Perón.
No entanto, Ceará-Mirim era um apelo muito forte e nos encontrávamos nos fins de semana e nas férias, nas “peladas” com bola de borracha nos campos improvisados, de nomes geograficamente apropriados – campo do cemitério, da maternidade e do motor e também nos víamos no sobe e desce das movimentadas ruas da cidade.
Alguns anos depois, operou-se um milagre: Hamilton tornou-se um aluno exemplar e criatura de trato afável e gentil, quase cerimonioso. Do antigo menino hiperativo, restou apenas a mania andarilha. Percorria longas distâncias, sempre com muita rapidez. Parecia estar em toda parte. Quando e onde menos se esperava, aparecia sempre um Hamilton sorridente. Tantas vezes o fenômeno se repetiu que às vezes o tratávamos por “deus”.
Tornamo-nos, nessa época, grandes amigos, dessas amizades que se estendem pela vida toda, com a cumplicidade do congraçamento familiar e de escolhas comuns.
Fomos internos no Marista durante cinco anos, de 1955 a 1959 e só nos separamos no então chamado curso colegial. Fui para o Atheneu e ele permaneceu no Marista. Mas a nossa terra querida nos reunia, e, mais do que ela, a praia de Muriú dos nossos encantamentos.
A amizade naquele tempo, quando era verdadeira e divorciada de interesses subalternos, era um compromisso integral que envolvia a família inteira, pai, mãe, irmãos e irmãs. Assim, passei a ter uma nova família no lar de Herbert (Betinho) Dantas e dona Nilcéa, ganhando novos “irmãos”, Naide, Neire, Nalba, Haroldo, Nadege, Helder, Naíse, Hermes, Nice e Nadir. Depois de algum tempo, chegaram os fins de rama, Herbert Júnior e Nadja. E, infortunadamente, tempos depois, Helder e Hermes se foram, deixando-nos enlutados.
Fascinava-me a desarrumação harmoniosa do casarão da Praça Barão de Ceará-Mirim, onde moravam os Sá Dantas, vizinho ao Colégio Santa Águeda. A aparência de desarrumação era conseqüência da movimentação de onze crianças saudáveis (depois treze), vale dizer, ativas, com muita energia, e nenhuma babá. Era dona Nilcéa, com um sorriso doce e tolerante, quem conduzia a parte harmoniosa. Andava sempre, como se dizia naquele tempo nas cidades do interior sobre as mulheres fecundas, com um menino no ventre, um no colo e outro pela mão.
Sempre me seduzia a placidez da mãe de Hamilton. Nem parecia que tinha que cuidar dos onze filhos, da administração da casa e do “em torno” do marido. Acho mesmo que Nossa Senhora a auxiliava, deitando sobre ela o diáfano e bem aventurado manto azul para dar-lhe conforto e paciência, para compensá-la de tanto sacrifício.
Filho exemplar, desvelava-se em carinhos pela mãe e convivia harmoniosamente com o pai, um pai de família de temperamento severo, intolerante em questões de desvios de conduta dos filhos, ao modo como se educava à época.
O avô paterno passou algum tempo com a família e nesse tempo testemunhei a dedicação não apenas dos familiares, mas especialmente de Hamilton. O meu amigo sofria, relevava e defendia os desvarios do avô, o desembargador Fábio Dantas, em avançado estado de esclerose. (Faço um parêntese para recordar certa vez em que Herbert Dantas, diante da irreversível demência do pai, avô de Hamilton, com lágrimas nos olhos o enlaçou pela cintura. O meu amigo também chorou – pelos dois, e eu pelos três.)
Irmão vigilante, mas liberal, era o preferido das meninas e o líder dos irmãos. Impunha-se pelo exemplo e era mimado em retribuição ao tratamento carinhoso que dispensava às irmãs.
Cursamos Direito juntos. Estudamos para o vestibular na casa que o seu pai mantinha, na rua Jundiaí, 444, até hoje serventia da família. Ele, Luciano Limeira e eu. Nunca fizemos cursinho pré-vestibular e fomos aprovados incontinenti à conclusão do segundo grau.

No Ceará-Mirim daquele tempo (fim dos anos cinqüenta para os anos sessenta) nós tínhamos poucas opções para o divertimento, mas bastante imaginação para criá-lo.
Formávamos um trio inseparável: Hamilton, Afrânio Cavalcanti e eu. Jogávamos sinuca no bar de “seu” Joao, na rua São João, tomávamos banho no Diamante do senador Augusto Meira, caçávamos rolinhas e nambus, íamos ao cinema, reuníamo-nos no murinho do “centro” e à noite na esquina da “venda” de Chico Dantas para as conversas longas que duravam até dez horas, horário em que o gerador que fornecia energia à cidade era desligado.
Ficamos tão habituados ao horário de encerramento das nossas reuniões, que, mesmo quando a cidade recebeu a energia de Paulo Afonso (Chesf) nos despedíamos a essa hora.
Hamilton sempre foi uma criatura incomum, como se vivesse em constante evolução, policiando-se, remodelando-se, controlando os impulsos, embora tivesse sido uma criança e um adolescente inserido no mesmo contexto e com os mesmos hábitos e modismos de sua geração.
Refiro-me ao seu polimento, às advertências que fazia quanto às nossas pequenas transgressões, ao temperamento judicioso que o levaria por gravidade ao cargo de magistrado.
Lembro do seu sorriso sempre contido, reservado, mesmo quando os olhos brilhavam de alegria e de prazer. Tinha o hábito de por a mão aberta ocultando a boca, não sei porque, talvez para esconder o sorriso que carregava perenemente, não sei também porque. Aliás, o “diário” de Hamilton deveria ter muitos porquês e poucas respostas. Ele às vezes manifestava muita estranheza diante de alguns hábitos e de algumas condutas, mesmo que não as censurasse.
No futebol de beira de praia, não dividia a bola com a mesma agressividade com que nós o fazíamos, nem devolvia as “entradas” mais duras que lhe davam, preferia vingar-se com dribles e toques próximos da perfeição, pois era um excelente jogador.
No jogo como na vida. Eis porque cultivou amigos, parceiros e admiradores. É uma unanimidade inteligente, com atestado virtual firmado pelo próprio Nelson Rodrigues como exceção à regra.
Depois, fomos colegas de escritório, patrocinados por Emmanuel Cavalcanti, que se tornou orientador dos nossos primeiros passos na advocacia. Era uma sala minúscula no edifício 21 de março – a de número 103, se não me falha a memória, pertencente à maçonaria. Praticamente nos acotovelávamos, Emmanuel, Hamilton, Cícero Pinto, rábula e farmacêutico, experiente nas práticas forenses e no trato político, depois Prefeito de São José de Campestre e eu.
Transitar entre quatro birôs com duas cadeiras cada um, num espaço que acomodava com relativo conforto, apenas duas pessoas, era tarefa complicada. Hamilton acumulava o ofício liberal, com a função de promotor adjunto de uma das varas da comarca de Natal e ainda era repórter da Tribuna do Norte.
Separamo-nos um ano depois, quando improvisei um escritório a partir da reforma de uma garagem do Dr. Raul Fernandes, frente-a-frente à antiga sede do cartório do meu amigo Jairo Procópio, na Vigário Bartolomeu.
Tempos depois me comunicou que havia sido aprovado em concurso para assessor jurídico da Sudeco – Superintendência do Desenvolvimento do Centro Oeste e iria trabalhar em Brasilia. De lá, foi aprovado em concurso para Juiz federal e permanece até hoje na capital federal, onde constituiu família.
Mas não desatou os laços com Ceará-Mirim. Conserva, como patrimônio da família, ainda moendo, o engenho Verde-Nasce que o pai herdou do avô, e mantém perene e constante a temporada de verão em Muriú, na mesma casa onde, criança ainda, foi embalado pelo marulhar suave daquele pedaço paradisíaco do Atlântico e foi banhado pela lua mágica e vaidosa refletida no espelho das águas nas noites mornas do verão.
Guardo algumas boas lembranças da amizade leal e sincera de Hamilton.
Apaixonei-me (quem não o fez, atire a primeira pedra) por uma bela pernambucana de olhos verdes e fui por ela correspondido. Era filha de um rico personagem da alta sociedade pernambucana. Logo eu? Filho de um médico paupérrimo, com o agravante de ser comunista? Ainda assim, a paixão prosperou, mesmo sob protestos e mil recomendações dos responsáveis por sua estadia em Muriú.
Tanto fizeram, como na letra da música “Pois é”, que houve a separação.
No carnaval tentei uma aproximação, mas a “guarda vermelha” exercia uma severa vigilância. Afinal, soube que ela iria “brincar” o carnaval num dos blocos de elite de Natal – o Xamego.
Pedi, então a Hamilton, que era um dos animadores do dito bloco, que conseguisse a minha admissão. O meu amigo lutou com unhas e dentes, mas o meu nome era sempre vetado. E o motivo dado como justificativa era o mais torpe: porque eu era pobre e era muito alta a “jóia” correspondente ao ingresso. De fato, isso era verdade, mas essa era uma meia-verdade que encobria o verdadeiro motivo: evitar o meu reencontro com a bela pernambucana de olhos verdes.
Sem solução, Hamilton anunciou a sua renúncia à condição de sócio e, em face de decisão tão radical, os censores voltaram atrás e fui admitido no bloco. Um beau geste.
Recordo, com orgulho e nostalgia, que a minha mãe-cúmplice providenciou tudo: comprou o tecido da blusa e dos shorts e contratou a mais famosa costureira da cidade, Trindade, para confeccioná-los; em seguida, baixou o preço das toalhas de mesa de frivolité que fazia e comercializava para aumentar a renda familiar, no intuito de vendê-las com rapidez, o que de fato aconteceu, e me deu o dinheiro da “jóia”.
De fato, não consegui demover a ex-namorada, mas isso é outra estória. Valeu o gesto do meu companheiro, expondo-se à privação da festa maior da nossa juventude, em nome da amizade.

Até 1970 não exercera a advocacia profissionalmente, embora tivesse me graduado em 1967. Provia um bem remunerado cargo em comissão de diretor do Departamento do Patrimônio de Natal, nomeado pelo então prefeito Agnelo Alves e mantido por seu sucessor Ernani Alves da Silveira.
Depois de patrocinar, com nome alheio, algumas esparsas mas exitosas demandas judiciais, decidi advogar. Consultei o amigo Hamilton sobre a possibilidade de instalar-me no seu escritório, ignorando o fato de que ele o dividia com dois outros colegas, como me referi no início, ou não teria enunciado esse desejo.
Vai daí que dois ou três dias depois, pergunta-me se tenho condições de comprar os móveis. Não tinha, porque pedira exoneração do meu cargo, que me incompatibilizara para o exercício profissional.
Não teve problemas, ajustou com Cícero Pinto o meu “estacionamento” no birô do rábula, que, entre a farmácia e as articulações políticas em Campestre, raramente comparecia ao escritório. Só algum tempo depois, pude adquirir o mobiliário que entulhava o escritório.

Éramos ideologicamente opositores. Ele, carimbado como “direitista” ou “reacionário” e eu, “esquerdista” ou pejorativamente taxado de “comuna”. Hamilton idolatrava Carlos Lacerda, a sua coragem e, sobretudo, os seus dotes de orador político combativo e contundente, temido pelos “esquerdinhas”.
Discutíamos muito nos saguões da Faculdade de Direito. Nessa questão, não transigíamos. Diria até que era nosso único foco de divergência, assumindo muitas vezes o caráter de uma contenda pessoal, já que em algumas ocasiões partíamos para as agressões do tipo “burro”, “medíocre”, “retrógrado”, “lacaio de Moscou”, “anticristo”, e por aí andavam nossos insultos,
Havia uma espécie de desalinhamento automático entre esquerdistas e direitistas: qualquer tese política ou cultural defendida por um, já contava com a oposição do outro. No entanto, quando fui candidato a vice-presidente do Diretório Acadêmico Amaro Cavalcanti, numa chapa considerada “de esquerda”, disse-me que votara comigo, em homenagem à nossa amizade. Mas não ficou assim “de graça” o enviesado apoio. Arrematou que avaliara mal – pensara que eu seria derrotado e fui eleito. Que lamentava ter sido “um inocente útil” a serviço dos “vermelhos”.
Preciso dizer mais?

Talvez. Falar do carinho e da reverência com que tratava o avô Cândido Pinto, um homem arrastado ao infortúnio que perdera a posição social e a abastança – fora interventor do município de Ceará-Mirim e participou do movimento “tenentista” - sobrevivendo como servidor subalterno de uma repartição pública na cidade de Goianinha.
Falar da importância que conferia ao alcoólatra e sifilítico Lourival, que havia prestado serviço aos americanos na época da guerra e falava inglês desembaraçada e fluentemente, língua que ambos cultivávamos e não perdíamos oportunidade de submetê-la à prova de fogo. Da partilha dos nossos parcos centavos para ajudá-lo nas suas necessidades de sobrevivência e, sabíamos, de sustentação do vício.
Do modo simples e respeitoso como sempre tratávamos os mais humildes, sem distinguir os amigos entre pobres e ricos, ilustres ou anônimos e da nossa arrogância frente à pompa e circunstância dos poderosos de então.
Do nosso afã de conhecimento, do saber, da busca da verdade onde quer que ela se encontrasse. Como éramos puros, meu Deus! Como éramos inocentes na crença de tantas quimeras!
Então, vieram os idos do mal do século e fomos forçados a vestir armaduras completas, inclusive com elmos que dissimulassem o nosso verdadeiro perfil, para que lográssemos sobreviver. Que pena! Tornamo-nos órfãos, sem a paternidade ou a tutela das nossas sadias e estimulantes ilusões.
Ao vencedor, as rapaduras ou os relatos lamuriosos das memórias.


PEDRO SIMÕES – Professor de Direito aposentado. Escritor e Advogado.

BARTOLOMEU CORREIA DE MELO

Carissimo(a)s:

Estou antecipando a remessa do "perfil", esta semana dedicada a uma das mais expressivas vocações literária do nosso estado, o Professor universitário aposentado, Bartolomeu Correia de Melo, conhecido na intimidade como Bartola.
É sem dúvida nenhuma, dos maiores contistas desses Brasis. Criador de uma linguagem literária que incorporou o dialeto popular do nordeste, sobretudo do nosso estado, é, de fato, um escritor original - inventivo, sestroso, telepata, ventríloquo.
Merece o perfil, tal como foi feito. E merece a atenção do leitor, menos pelo quase nada de méritos literários do autor, que da motivação e riqueza do perfilado.

DE COMO BARTOLA, O ANJO-TROVADOR, FOI MESTRE DE OBRAS DE NOSSA SENHORA nh(MEMORIAL DOS FUNDAMENTOS DA CRIAÇÃO DA FREGUESIA DE NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO DO RIO DOS HOMENS)
Por: Pedro Simões


“E eu, que ando só, me reencontro
na sombra de cada coisa perdida.”
Sanderson Negreiros

Bartolomeu Correia de Melo, cearamirinense naturalizado, tem-se distinguido como das melhores expressões da literatura norte-rio-grandense e, sem sombra de dúvida, o mais original contista dessas e doutras terras do nordeste e dos Brasil. É dono de uma linguagem bem tecida porque de boa urdidura, emprestada da língua do povo de sua terra. Não há como confundi-lo, nem como desentranhá-lo do fabulário e do imaginário popular – melhor dizendo, da massa de sangue e das raízes telúricas de sua gente e de sua terra. O modo como reencontrei o menino do meu convívio, o adolescente apenas riscado a giz na memória, nessa imerecida
velhice precoce, só pode ser explicado através do fantástico e do mágico. E é isso que faço, numa homenagem ao meu amigo de memórias conterrâneas e de afinidades, e ao nosso terreiro, pedindo licença aos leitores para fugir do trivial, e o perdão a Nossa Senhora pela heresia. A benção, meu padim Padre Cícero Romão Batista e o nihil obstat do meu amigo Padre Rui Miranda.

A EXPLICAÇÃO
Não creio nos acasos. Sustento a tese de que se aceitássemos como manifestações autenticamente espontâneas as interferências na nossa vida, sem o concurso da nossa vontade, estaríamos admitindo que o livre arbítrio franqueado pelo Criador apenas ao ser humano, se estendesse à própria natureza e se vulgarizasse. O mundo seria, então, fruto de gerações espontâneas e Deus, apenas um espectador silencioso e impotente. Ou omisso.
Nada tão falso. Deus é onipotente e nenhuma ramada é colorida, nem uma só folha se move, sem a sua aquiescência. Acredito, sem tentar fazer proselitismo religioso, mas apenas declarando a minha convicção, que Deus tem planos para cada um de nós. Sou de crença espírita cristã e acredito na reencarnação e nos seus desdobramentos.
Eis porque acolhi Bartolomeu Correia de Melo, a quem trato carinhosa e propositadamente de Don Bartolo, qual um personagem de ópera transversal a Don Giovanni, como meu irmão. Teríamos sido assim em alguma dobra do tempo. Senão, como explicar o fato de que o vi tão poucas vezes na adolescência e só voltasse a vê-lo na nossa precoce velhice, e ainda assim se estabelecesse entre nós tanta afinidade, tanta memória comum, tanta substanciação existencial?
Por isso, confirma-se a minha tese e aqui declaro, sem pompa nem circunstância, mas de peito aberto e lavado e espírito enxaguado, a geminação da nossa alma.

AS REVELAÇÕES

Segundo informações da dupla de saltimbancos Cherubino e Zambetta, iniciados nas adivinhatórias e esoterismos, Don Bartolo teria sido um anjo trovador, desses que andam sempre com uma lira à mão e versejam à toa, tanta fartura de imaginação e riqueza vocabular rimosa.
Por isso, o Divino sempre foi muito tolerante com ele, permitindo que fizesse a sua graduação com os pássaros e os bardos do naipe de Camões, Zé Limeira, Carlos Pena Filho e, principalmente, com “Rebequinha”, o poeta nativo das terras ainda virgens do que viria a ser Ceará-Mirim, de dia contemplador de paisagens e tocador de burro no bota-água nas casas , de noite, repentista e tocador de rebeca – daí o nome.
Foi a sua danação. Tinha dia de se perder, doido de tanto trinado bonito, tanta poesia e tanta música, quando, então, cutucado pelos saltimbancos, procurava parelha com Juvenal Antunes e Jorge Fernandes, ganhando os partidos de cana e os tabuleiros cheios de cajus, para encher os olhos dos mais verdes e mais vermelhos, amarelos e azuis que já tinha visto. Era a cura de sua ressaca, pelo método homeopático: quanto mais beleza, mais depressa a cura da tontice pela beleza vertiginosa.
Um dia, com os ouvidos prenhes de tanta reclamação beata o Todo-Poderoso cansou da contagiante humanidade do seu anjo e o desterrou definitivamente no nosso planeta, também louvado no similia similibus curandi.
Desterro? Parece brincadeira, não é? Melhor seria dizer premiação, se era só o que o anjo enviesado queria.
Se não foi premiar, a intenção do Senhor ficou bem juntinho disso. A dupla apelidada por Bartola como Quero-mais e Cambeta, confirmou que o Todo Poderoso concordava em soltá-lo na buraqueira, digo, no alagadiço do vale porque tinha planos para ele, só que essa verdadeira missão não podia ser revelada, senão iriam comentar que era caso de preferência, privilégio, proteção – sabe como é a língua do povo, que dirá dos anjos, meões de defeitos e meeiros de santidade.
Mas teve um “porém”: ficaria confinado, até nova ordem, no campanário de uma igreja apenas idealizada, mas já de concretude visível na imaginação mística dos entes divinos, dedicada a Nossa Senhora da Conceição. Deu-lhe a penitência de tanger no imaginário os sinos nos finados, nos júbilos e nas procissões, espantar e limpar os morcegos e suas titicas, sossegar algumas almas desgarradas e alimentar os passarinhos mais afoitos.
De vantagem, contar estrelas, pastorar a lua, adivinhar as esculturas feitas pelo vento nas nuvens gordinhas e brancas que brincavam no céu, catar os cavacos de noite na barra o dia e beber o vinho rosé dos ocasos para celebrar a noite renovada, quando todos os gatos são pretos.
Foi quando Nossa Senhora da Conceição, surpresa e prazerosa por encontrá-lo nesse ofício, o convocou para uma missão muito importante: colorir o lugar de que era madrinha, dar-lhe o jeito, um aroma, traçar o perfil das ruas e a geografia do município, e, finalmente, o caráter dos seus habitantes. O anjo, entre afoito e cauteloso, ainda perguntou se a Divina Pastora tinha alguma preferência ou proibição. Tanta era a confiança da Madona que não lhe impôs nenhuma regra nem lhe fez nenhuma advertência. Disse apenas que queria algo especial, digno do seu amadrinhamento.
Era dar corda ao jumento, soltar a corrente do cachorro, abrir a gaiola ao pássaro, semear na terra uberosa de húmus e de água. Dar de beber e de comer a quem tem sede e fome.
O anjo soltou-se. Ficou que nem um beija flor ou um zig-zag, flanando algum tempo ao redor do fantasioso campanário, como se buscasse o néctar da inspiração, naquele dilema do burrinho da estória de Apuleio, que teria morrido de fome e sede, rodeado de bacias de água e de milho, por não saber por onde começar.
Depois, cravou o “seja o que Deus quiser” e decidiu iniciar o trabalho.

A CRIAÇÃO

Pintou de um verde luxuriante o vale lá-embaixo, chegando até a embriaguez e a um embaralho nos olhos, espantado com tanta beleza. Nem acreditou no que tinha feito.
Coloriu o céu de algo mui levemente fletido num verde muito esmaecido colhido do canavial e de todos os tons de azul que inventaram e pudessem ser – só assim conseguiu a cor do manto de Nossa Senhora, a homenagem que lhe fez. Depois de se embriagar de tanto azul no azul do céu, e mais azul não havia, ouviu Carlos Pena Filho:
Então pintei de azul os meus sapatos
por não poder de azul pintar as ruas
depois vesti meus gestos insensatos
e colori as minhas mãos e as tuas
Para extinguir de nós o azul ausente
e aprisionar o azul nas coisas gratas
Enfim, nós derramamos simplesmente
azul sobre os vestidos e as gravatas
Pôs o verde sobre o azulado, puxado mais para o verde cana, nas águas dos rios e dos mares que beijam a terra da imaculada conceição.
Da alquimia fez e agrimensurou os solos mais variados - da piçarra da Jacoca e o arisco do Gravatá ao alagadiço do vale. Fez dois balneários de águas tão límpidas e transparentes que ele próprio não resistiu e se banhou e os denominou de Diamante e Jericó, este último, à lembrança da cidade bíblica das palmeiras, berço da redenção de Israel. Secou uma porção de terra alagada que rodeava uma coroa no meio da mata fechada e deu-lhe o sugestivo nome de Ilha Bela.
Deu a Jacoca o abacaxi mais doce; a farinha de mandioca de alvura e finura incomparáveis a Ponta do Mato; a laranja mais doce e sumosa a Comum e Primavera; o beiju e o grude mais gostosos a Aningas; a goma de mandioca e a tapioca mais caprichosas a Coqueiros; a Mineiro, deu o picado receitado por Geraldo Abdias; ensinou a Cicinha, a arte da feitura da cocada preta e da branca, preparada com o coco tirado do futuro sitio de Manoel Pereira, na divisa de Muriú com Maxaranguape.
Plantou umas canas de valia, a partir de “soca” divina, dando matéria prima para adoçar a boca dos nativos, mesmo os mais amargosos pela dura vida do eito – mel de furo e refinado, rapadura, açúcar mascavo (impropriamente dito “bruto”) e açúcar branco; cachaça (que ninguém é de ferro) e álcool.
Semeou umas frutinhas doce-azedinhas no tabuleiro dos ariscos praieiros e adjacentes, tais que chamou de camboim, guajiru e massaranduba. Fincou uns troncos de árvores rugosas que nem os rostos de velhos muito mais velhos e as chamou de mangaba. Fincou paus mais ou menos linheiros, de copas ramosas e os considerou cajueiros. E se divertiu queimando as “catotas” nos lajedos para fustigar os calangos, as cobras e a própria pele.
Compôs o mais lindo amanhecer, no meio do oceano vegetal do vale, e o mais belo e nostálgico por do sol, por trás das ondulações do morro do Patu.
Era forte a influência mediterrânea do mestre de obras da Virgem e ele resolveu fundar a cidade nas encostas de uma pequena serra, à falta de falésias. E também, para dar um quê de ascencionalidade ao plano diretor da sua arquitetura. Nada que se assemelhasse a segregação ou divisão de castas, a partir de maior ou menor altura, mas uma insinuação, uma metáfora que sugerisse o plano evolutivo do ser humano, sempre para o alto, na direção de Deus.
Mas, para evitar dúvidas e insinuações, arrumou uma compensação. Se o lá-em-cima fosse, de fato, a ascensão, o lá-embaixo era a sua inspiração. Não há recompensa maior para a subida, que olhar o vale verde se espreguiçando todo lindo e verdoso na aba da colina.
Deu margem ao “lá-em-cima” e o “lá-embaixo”, simplificando a topografia e a geografia da cidade. Na compreensão dos habitantes, que sempre se referiam ao lá-em-cima como uma peregrinação penosa e cansativa, vencer a subida era um prêmio, pela visão que oferecia ao peregrino, o lá-embaixo. E assim a metáfora era assimilada. Para se chegar ao céu, era preciso muito esforço e muito sacrifício, mas valia a pena.
Da parte urbana, só cuidou para que quando a cidade sucedesse à briosa vila em que a freguesia se tornaria, plantassem pés de fícus benjamim nuns canteiros no meio da rua. Sombra e facilidade para as idas e vindas. E também para a alegria da meninada, que se enfeitiçaria com o som das modinhas assopradas por seu Alegria, dono do Circo Alegria, na dobradiça das folhas do fícus
Deu-se então que num domingo em que estava embriagado com a sua própria criação, decidiu se superar. Deixou-se levar pela onipotência megalômana, voou em linha quase reta até um ponto do oceano em território do município e convocou aquele que viria a ser Dorian Gray, mestre desenhista e colorista das azuis e verdes cartografias, para sugerir-lhe a paisagística do litoral da freguesia.
Areias alvas, coqueiros, muitos coqueiros, lagoas, mar tépido e calmo – sugeriu o pintor. E uns parrachos de contraponto, anteparo de predadores e de marés bravias. Até mesmo uns salpicos de sargaço. Então, usando a sua paleta criou uma cor especial para o mar: nem azul nem verde, sem deixar de ser azul, nem deixar de ser verde - uma cor especial, particular apenas àquela parte do oceano.
Bartola não conseguiu distinguir a cor dada pelo grande artista de outras que conhecia. Na sua percepção aquele colorido era comum, encontradiço em outras praias do litoral nordeste do continente brasileiro.
O pintor ofendeu-se e foi direto ao ponto – o anjo, apesar de criatura angelical, não tinha a retina, nem a íris do artista plástico, era uma espécie daltônica, porque havia consumido a sua percepção visual na embriaguez contemplativa da sua própria criação. Nesse ponto tornou-se grave e contundente – não usava a alma como guia. Até concedia que ele “sentia” com a alma, pois era poeta e imaginoso. Mas não via através desse filtro.
O artista, que “via” com a alma, lembrou Van Gogh quando disse que tudo estava na natureza, o artista apenas emprestava a sua alma. Ainda assegurou ao anjo que no futuro, os que amassem aquele mar, aquela nesga de céu, da praia, do sol luxuriantemente, delirantemente amarelo, iriam perceber essa diferença. A perspectiva do tempo das memórias faria a diferença.
Sem se dar por convencido, o fundador da cidade concedeu, no entanto, o benefício da dúvida, pelas credenciais do pintor. Despediram-se sem atritos.
No dia seguinte, avaliou a criação. Ainda insatisfeito, mas no geral pacificado, pensou no passo seguinte.
Se não poderia criar o ser humano, já concebido por Deus, o recriaria. De resto, todas as coisas já tinham sido criadas, ele apenas as escolheu, dando o jeito pedido por Nossa Senhora.
Mas havia algo que ele podia esbanjar-se na invenção. O perfil dos habitantes daquela cidade.
À “sua” matriz humana deu de beber água do Diamante e Jericó e a batizou com a água salobra do Olheiro, juntando água e sal na mesma cerimônia. Mimou-a com garapa, água de coco, suco de manga e de caju. Deu-lhe de pouca a média estatura, tez variando do negro ao branco, passando pelo mameluco e o mulato. Pernas firmes de bom andador de subidas e descidas, alavanca para os atoleiros dos alagadiços, boas para o ofício recadeiro e aviador e sustentação para o dia inteiro no corte de cana.
Alma leve, de passarinho cantador e madrugador. Formiga e cigarra. De missa e canjerê. Esperançoso. Todo dono da chã da alegria, mas sem exageros pois a sua natureza era meio reservosa.
Deu-lhe um chapéu de palha meio sobre o atrevido, um pito feito de imburana, um banho de rio com direito a cangapé, uma rede na varanda, comida no bucho e saúde que dê pro gasto - taí um ser humano feliz! Melhora se tiver um passarinho cativo, uma criaçãozinha no quintal, um burrinho de carga e um galo madrugador. ´Magine se tiver um roçado numa terrinha pouca cedida pelo patrão – vixe Maria!
Fez barateado, quase a preço de liquidação, o ser que vai habitar essa terra. E de pouquinhos teréns. Muitos são os seus sonhares, que ficam guardadinhos debaixo da moleira, e somente o tempo pra se interter entre uma e outra baforada do cachimbo, no terreiro, depois da janta.
Deu-lhes uns olhos de ver o vale, o céu azul de dia e o cobertor negro bordado de estrelas à noite, para agasalhá-lo na falta de fé, na frieza do desanimoso. Vez em quando deixou que pintasse uma lua muito soberba, pra alumiar os namoros, as serestas e as prosas; o rio d´água azul, a praia de Muriú. Uma que outra dança, coisa pouca, mas mui alegre, animada pelo baticum dos atabaques e a cadência dos pés no chão.
Á noite, os corpos nus se esfregando em cima das esteiras de palha, no chão de barro batido, suor com suor, dois num só, cavaleiro e montaria, promessa de cria que o leito da miséria é fecundo.
Os ouvidos de escutar o apito do trem, a tirada da Asa Branca na buzina de Chico Horácio, o saxofone de Zé Gago, o violão de Misael, os sinos “...com timbre de enxada velha que se põe a dizer o amém das ave-marias”, o badalar do relógio do campanário, os pregões dos vendedores ambulantes, as arengas dos botadores d´água com os “roxinhos”, o latido e o miado dos animais sem dono ou vigias das casas e as vozes das beatas nas procissões.
Zé Lemos que restauraria com o pai, seu Justo, as estampas sacras do teto da igreja matriz, cantaria com voz Vicentina Celestiniana, a canção “Porta Aberta”. E Minhém pensaria que era “cover” de Bob Nelson: “Eu pego meu cavalo e jogo o laço...”, os olhos de chinês com terçol, o bigode maior que o de Bienvenido Granda, uma tragédia de desafinos e de troca-letras.
As ventas sempre acesas para o cheiro da bagaceira e do mel; o aroma acre provocado pela umidade da chuva engravidando a terra, em pleno parto das ervas e das flores baldias; a água de cheiro escapulida da carapinha das beiradeiras; o cheiro profuso e confuso do “quadro” do mercado e do pátio da feira – uma mistura de tudo, até de mijo e cocô de gente e de animais.
O visgo açucarado no céu da boca dos cortadores de cana, cambiteiros e operários dos engenhos, o colorau da galinha caipira, o leite de coco e o propriamente dito ralado, presente nas mesas de café, almoço e jantar, o gosto do pãozinho quente, saído da fornalha da padaria de João Neto, a manteiga derretida espirrando nos cantos da boca e nos dedos, as piabas fritas com farinha na banha de porco, o torresmo chiando na panela.
É nesse ponto que me vem Bartolomeu e se lembra da fala, do modo como essa criatura vai-se comunicar uns com os outros. E quer mais, que ela fale até em pensamento, dela pra ela mesmo, e como fosse telepatia, com os pareceiros.
Descartou a fala dos doutores, dos padres e dos políticos – até mesmo dos escritores, que mais fosse a que é aprendida nas escolas. Queria um falar deles, inventado na precisão e na distração. Uma que fosse usada nas conversas e nos escritos, uma coisa só, sem o atrapalho de dois modos diferentes de se comunicar na nossa linguagem brasileira. Que besteira: falar de um jeito e escrever de outro. Quem já viu presepada igual?
Apurou as oiças e consultou o vento, os animais, as aves, os barulhos das feiras, dos partidos de cana, dos engenhos, dos canjerês, dos rios, do mar, o falatório dos meninos e dos velhos, a língua afiada da raiva e do despeito e a melosidade dos ditos de amor. Cascavilhou as frases cuspidas e mal empregadas, os chorares e os sorrisos, os mandos, os desmandos, os suspiros e as cavilações. Tornou-se o pé-de-ouvido cativo de cada um dos nativos.
Deu no que deu.

OS LIVROS DAS DECIFRAÇÕES

Botou tudo que ouviu em dois livros que dedicou à cidade: “Lugar de Estórias” e “Tempo de Estórias”(*). Como um breviário completo, ou um almanaque, dá conta de tudim´ - dos ofícios, bem quereres, malquerenças, febres suspirosas, mal assombros, amores queridos e rejeitados...causos que se não forem acontecidos, bem que poderiam.
Uma espécie de Cábala, de livrinho de cordel em prosa, de Roteiro Místico da cidade, de desnudamento da alma dos seus habitantes, uma declaração de amor à sua própria obra profana, todavia, reconhecida por Nossa Senhora, que deu mostras de ter-se encantado com toda a recriação e com as invencionices do seu mestre de obras.
O que tem de humano nas criaturas de Deus está lá, devidamente registrado e tombado. Sacramentado. Só não está lá o que não interessa e não recomenda um criador de boa fé e honestas intenções. Se não há barões, nem baronetes, nem senhores de barato e cutelo e os seus escravos, é porque o autor resolveu passar flanela com vinagre nesse azinhavrado e borracha nos mal amanhados.
O que está lá é o povo de Deus, na média possível, na medida do possível. Está lá, a infância perdida no passado, sobrevivente no presente e resgatável no futuro. O imutável sentimento de amor às raízes sentimentais e ancestrais.
Está lá, também, o socorro ao náufrago, coitado sem identidade, perdido no oceano da globalização, macaqueando os outros sem saber porquê, ou sabendo, mas envergonhado de ser o que é. O farol que alumia o caminho para o porto seguro (Ninguém se perde no caminho da volta). A razão de sermos o que somos e porque somos. O orgulho de sermos únicos, individualidades distintas, a partir da nossa origem, hábitos, língua, caráter.
Um amigo observador da cena humana, disse certa vez que há uma ciência que ninguém nos supera em conhecimento e vivência: a nossa terra. A aldeia que nos pariu e nos projetou para o mundo. Desde que tenhamos dividido com ela a nossa própria vida, que pelo menos um pedacinho de nós haja-se incorporado à história e ao cenário da nossa vivência: naquela rua, naquela árvore, naquela igreja, naquele colégio, sob aquele céu, no fundo da paisagem, num causo perdido, há uma marca indelével da nossa passagem que podemos testemunhar com as nossas estórias.
Nesse espaço somos protagonistas, não apenas testemunhas ou circunstanciados dos fados. Fizemos, nós mesmos, a nossa própria história, mesmo que tenha sido uma “ponta” do enredo, que tenhamos sido coadjuvantes, nossa marca está lá, num talho de canivete, numa velha foto encardida, no livro de batismo, no registro do cartório, na tradição oral. Na sementeira dos filhos e netos. Na memória dos mais velhos e mais acreditados. Na retina sempre-verde dos companheiros da infância.
No inconsciente coletivo, que guardou o vagido da criança, o arrastado dos primeiros passos, os primeiros aprendizados, os primeiros gemidos do amor. E muito depois, o difícil, mas prazeroso retorno aos primeiros momentos, só reencontrados no lugar de origem. O caminho da volta.
Bartola, como ficou conhecido o anjo-trovador, poeta e cantador, na vulgarização sem cerimônia dos cearamirinenses, que apelidariam até o Papa, é uma instituição da cidade. Talvez o seu mais importante habitante, porque a recriou. Não que tenha pedido por isso, porque o enfada a notoriedade, prefere a alforria das obrigações que o conserva irreverente e maroto. Um sonso, isso sim! Daquela sonsice de quem foi predestinado à liberdade, e é forçado à prisão na saia avoenga.
E também, porque guardou a sua ciência até os mais de cinqüenta anos de idade, para só então torná-la pública, sovinando aos seus amigos, aos conterrâneos e no geral aos que tem sede e fome de saber, a chave para decifrar conhecimento tão hermético e ao mesmo tempo tão singelo.
Mas resistir quem há de. O que esperava o criador de uma freguesia, mestre de obras de Nossa Senhora da Conceição, autor de uma obra comparável à Pedra de Roseta, decifradora da cultura singular de uma cidade, que, sendo igual a tantas outras, não é igual a nenhuma delas.
Rejeito as generalizações. Todas são simplificadoras e embusteiras, porque têm sempre um propósito de apoucamento ou de igualação, ou cortam o que lhes sobra em tamanho ou nivelam por baixo, no mesmo tope, mesmo que maiores.
Como querer estabelecer um parâmetro entre Bartola e o Rosa das Gerais. Não há como compará-los ou medir a importância segundo este ou aquele referencial. Em favor de Rosa, a criação. Em benefício de Bartola, a apropriação do dialeto popular e a sua conversão em linguagem corrente literária, às vezes decodificadora da emoção, do caráter, da cultura.
De fato, a partir do molde originalíssimo, criou-se a verdadeira escola literária do Ceará-Mirim.
Porque é isso o que o anjo-trovador faz: transporta-se, pela linguagem comum, ao seres humanos desfavorecidos de teres e haveres, mas ricos em aventura, alegria e esperança. Sonham. E por isso revivem, tranfiguram-se, transmutam-se, renascem meninos. Beiradeiros.
Viva Bartola!
Que viva sempre em nós, a nossa aldeia, que é o nosso mundo, a nossa referência e a nossa fiança, a teta-mãe que nos aleitou, qual Rômulo e Remo, pelos úberes dos guaxinins do canavial.

(*) Edições Bagaço, 2003 e 2009, respectivamente.


Pedro Simões – Professor de direito aposentado. Escritor e Advogado.

domingo, 11 de julho de 2010

O POETA ZÉ BARACHO - 81 ANOS

O poeta Zé Baracho - 81 anos

José Severino da Silva nasceu em Tabuão, ao meio dia de uma quinta-feira, 04 de julho de 1929 e quem o ajudou a vir ao mundo foi u
ma parteira chamada Angelina. Seus pais eram João Severino do Nascimento e Francisca Rosa da Conceição.
Seu pai nasceu no engenho Timbó no final do século XIX, quando ali ainda existia o cativeiro e o Major – como era conhecido Zumba – imperava naquele engenho-correção, pois para lá eram mandados os negros que resistiam à escravidão e, eram obrigados a respeitar seus senhores à força do chicote e tronco.
João Severino casou pela primeira vez com uma moradora do engenho Timbó e, depois de sua morte, casou com Dona Francisca, mãe do poeta Zé Baracho. Seu pai faleceu em 1946 e ficaram nove filhos pequenos, três homens e seis mulheres.
Quando seu pai faleceu Zé Baracho assumiu, com seu irmão Manoel, a responsabilidade da casa. Naquele tempo estava com doze anos e iniciava sua vida dentro do canavial onde cortava cana com uma mão e fazia a despalha (limpava a cana) com a outra. Era muito sacrificante para uma criança enfrentar tamanha dureza, mas o dever e a responsabilidade eram mais importantes e precisava manter sua família.
Gibson e Zé Baracho - homenagem em Massangana pelo Vereador Julio César
Lembra que seu pai falava muito do Coronel José Ribeiro Dantas Sobrinho - o Zumba do Timbó – dono do engenho Timbó. Dizia que ele era o chefe dos cativeiros e seu administrador ou feitor, era um primo de seu pai chamado Antonio Pinto. Era esse feitor quem cumpria as ordens de Zumba para judiar com os negros cativos.
Habitualmente mandavam prender os negros no tronco – diziam que era em um pé de tamarindo – em frente a casa grande. Ali os negros ficavam presos e eram açoitados com chicote de couro cru. Quando terminava a tortura os negros eram molhados com água e sal para ajudar a sarar os ferimentos.
Quando os negros se deslocavam para o canavial eram acorrentados pela perna com um molho de ferro e a cada tarefa, colocavam aquela corrente na cabeça e se locomoviam para fazer uma nova “limpa” de mais 15 braças de terra.
Contam que a meia noite, quando principiava o dia de São Sebastião o feitor Antonio Pinto mandou os negros do engenho Timbó irem à bagaceira encarrilhar os bois para fazerem o transporte da cana até o engenho. Naquela noite aconteceu um fato curioso e assustador. O boi chamado “Pensamento” não obedeceu ao apelo do seu condutor Mané Corujinha. Dizem que quando Mané Corujinha chamava o boi: “Pensamento, levanta para trabalhar, e, ele, bem tranqüilo falou: hoje não trabalho pois é dia de São Sebastião. O cativo repetiu aquela conversa por três vezes e todas recebiam a mesma resposta. Desesperado foi até a casa do Antonio Pinto e contou-lhe o acontecido. Não acreditando no negro, ele foi à bagaceira para verificar a veracidade daquele fato tão estranho e inacreditável. Para desespero do Mané Corujinha o feitor saiu de rebenque (chicote) na mão porque se não fosse verdade e o boi não falasse o coitado ia pro tronco.
O boi repetiu a mesma resposta e ao amanhecer o capataz do engenho foi à casa grande e chamou o Major Zumba para relatar o fato. Ao chegarem à bagaceira, o boi tornou a dizer que não trabalhava porque era dia de São Sebastião, então, o major soltou os animais e, a partir daquele dia, nunca mais eles trabalharam em dia santo.
Muitas histórias e causos são contados a respeito do engenho Timbo, de Zumba e sua terrível mulher Antonia Balbina Viana, que prendia as escravas no portal da casa e chamava para que lá ficassem pedaços da orelha.
A infância do Poeta José Severino, o Zé Baracho, foi na roça, cavando e limpando lerão. A vida deles era trabalhar alugado. Nos anos 1940, durante a II Grande Guerra, a borracha produzida no Amazonas ficou escassa e abriram um decreto em que o governo autorizava a extração do leite da Mangabeira para a produção da borracha. Muitas pessoas passavam o dia nos tabuleiros fazendo a coleta. No final do dia recolhiam as latas e iniciavam o processo para endurecimento do leite. Colocavam-no em uma lata, dissolviam pedra úmida e misturavam ao leite que instantaneamente ficava talhado. Logo estava sólido e pronto para comercializar.
A borracha extraída era comercializada com o Major Onofre Soares, do engenho Cruzeiro. Havia um armazém próximo ao Mercado Público. A produção se deu mais intensamente com a chegada dos americanos em Natal. O quilo era vendido por três mil réis. Foi um tempo bom porque eles produziam em torno de trinta quilos de borracha.
Naquele tempo com três mil réis comprava-se arroz, farinha, rapadura, açúcar bruto, peixe. A comercialização do peixe era uma fartura. Comprava-se por pedaço e não por quilo como feito atualmente e, ainda, havia uma variedade de espécies de primeira linha.
O poeta não guarda boas lembranças do tempo de escola. Ele não tinha muito gosto pelos estudos, uma vez que a vida era somente trabalhar alugado e, quando na comunidade, vendia jogo de bicho, sabia escrever, dezenas, centenas e milhares. Certo dia a professora Dona Ritinha, Juventina Gomes de Souza, fez uma conta e mandou que resolvesse, ele tentou de todas as maneiras, mas não conseguiu efetuar a operação. Quando a professora descobriu que não resolvia a conta deu-lhe uma tremenda pancada no pescoço com uma régua de madeira que o bardo rebentou-se no chão. A partir daquele dia nunca mais voltou aos bancos escolares. Do tempo de escola aprendeu a assinar o nome e diz que provavelmente se tivesse aprendido a ler e escrever sua vida teria sido diferente, mas se conforma quando diz que: Quem nasce pra ter, tem. Quem nasce pra não ter, não tem.
Tabuão era uma pequena comunidade com casas humildes espalhadas pelo vale e produzia tijolos em muita quantidade. A produção era transportada por trem para Natal. No tempo da guerra, com a chegada dos americanos, venderam muito tijolo que ia para Parnamirim e de lá mandavam para os Estados Unidos.
Além de tijolos havia a produção artesanal de panelas de barro, alguidares e até “pinico” para o asseio das mulheres. Nesse tempo a comunidade também fabricava produtos oriundos da palha de carnaúba, como chapéu e principalmente esteiras que eram comercializadas em Ceará-Mirim e exportadas para o sertão.
José Baracho passou sua vida trabalhando no ubérrimo vale de Ceará-Mirim prestando serviço nas fazendas da região. Na década de 1940 prestou também serviço ao governo durante a Campanha de Erradicação da Malária. Ele diz que na época morreram muitas pessoas acometidas da doença, a epidemia era tão grande que enterravam seus mortos em valas.

Zé Baracho e Gibson - Forum Social Nordestino - Recife 2004 - o mestre cantando o hino de Olinda/PE


O mestre teve seus primeiros contatos com a cultura popular quando ainda era criança e assistia as apresentações dos diversos grupos de congada que existiam na região. Um dia foi convidado pelo mestre Sebastião João da Rocha – o Tião Oleiro – para dançar na ponta do cordão como marujo. A partir daí nunca mais parou e lembra que durante os setenta anos que brincou no congo dançou em todas as categorias e a mais importante foi o posto de embaixador cuja função equivale a de contra-mestre. Atualmente não brinca mais porque está debilitado e seu velho coração não consegue acompanhar suas atividades.
Infelizmente estamos perdendo mais uma batalha para o tempo e o futuro do Congo de Guerra está cada vez mais comprometido, pois, não há interesse da comunidade em preservar esta manifestação popular. O mestre Tião está com 96 anos e é eminente seu cansaço apesar de sua insistência em manter o brinquedo vivo. É necessário tomarmos alguma atitude para criarmos meios que possam ajudar a valorização e preservação do folguedo.
Mestre Baracho sempre foi envolvido pela cultura popular. Na infância conviveu com seu avô que possuía uma grande sabedoria e ensinou-lhe algumas orações e receitas baseada na medicina do mato. Uma velha rezadeira passou-lhe seus conhecimentos que somente são usados quando há uma grande necessidade.
A poesia entrou em sua vida quando conheceu o cantador de viola e passou a acompanhá-lo em algumas apresentações de côco de roda, que o ajudaram a desenvolver suas habilidades de improvisação.
Recentemente quando o entrevistei gravamos alguns poemas e romances. É impressionante como um homem do povo, analfabeto, pode transmitir tanta sabedoria, pois ele apresentou, através da cantoria, romances medievais, como Carlos Magnos e os doze pares da França, A donzela Teodora, a história de Dom Jorge e alguns poemas conhecidos como a história do Pavão Misterioso e a famosa, um tostão de chuva.
Fiquei muito triste quando recebi a notícia de que meu estimado amigo estava muito doente e convalescia numa agonia ferrenha. Sábado 10/06, fui visita-lo em companhia de Mestre Birico dos Cabocolinhos de Ceará-Mirim. Ao chegarmos na comunidade de Tabuão o Mestre Tião me aguardava e conversamos a respeito de nosso dileto companheiro. Preocupou-me bastante o sentimento de Seu Tião ele estava muito triste e seu sofrimento pela saúde do amigo era visível.
Felizmente o Bardo Menestrel está muito bem cuidado por seus familiares. Suas filhas, filhos e esposa não o deixam sozinho em nenhum momento. O carinho de seus entes queridos provavelmente darão forças para resistir a mais essa batalha contra o tempo. Mesmo que o mestre não retorne de sua agonia fica o ensinamento que ele nos proporcionou. Eu aprendi muito com ele. Sua sabedoria ajudou-me a valorizar nossas manifestações populares e a compreender que é partindo do simples que conquistaremos o complexo.
É preciso sermos fortes para podermos enfrentar as dificuldades que a vida nos proporciona e lapidarmos as arestas irregulares de nossos aprendizados para garantimos um futuro digno de exemplos para nossos descendentes.

terça-feira, 6 de julho de 2010

COMENTÁRIO DE GEOVANE SILVA

Às vezes o desânimo toma conta de nossas vidas, pois temos a impressão de que nada que buscamos fazer não é compreendido e valorizado, no entanto, descobrimos que há muitas pessoas que se importam com aquilo que procuramos informar e, é por isso, que revigoramos a força e a vontade de continuar, pois, temos a certeza que nossa contribuição está no caminho certo, São depoimentos como do meu novo leitor Geovane que fortalece nosso querer. Amigo Geovane gostaria que continuasse escrevendo suas lembranças de Ilha Bela e me enviasse para podermos continuar lembrando atraves da publicação no nosso singelo informativo eletrônico.

Gibson Machado

Depoimento de Geonave:

gibson, sou um dos filhos dessa cidade tão maravilhosa, e calorosa. madei um pequeno dos meus sentimentos quando vi fotos da pequena currutela onde nasci e cresci junto com meus amigos do peito que hoje já não se faz mais, minha famosa ilha bela que hoje se retrata num grande deserto, mais para mim o que importa agora são as lembraças, são muitas lembranças boas, e quero carregar comigo todos os momentos bonitos, momentos de festas, brincadeiras com meus grandes amigos, momentos de futebool no grande clube (COAVENCE) esse era o nome do time do famoso ilha bela esporte clube. Olha são tantas lembraças que agora eu mesmo me desafiei a mandar um texto feito por mim, para voce colocar no teu blog, pode ser? olha parabens pelo teu blog, fiquei muito feliz em saber que existe pessoas assim como voce, que busca historia assim como essa que nunca pode ser esquecida, meus parabens fiquei muito emocionado com teu blog, voce pode ter certeza eu tambem faço parte dessa hitoria. tenha uma boa noite, e muito obrigado por voce existir. abraço ASS: geovane. obs: sou de UBERABA MG. sou muito amigo de josete, acho que voce deve conhecela. ela que me falou de voce!

O QUE FOSTE

Lindo lugar era este

Onde aprendi a viver

A sonhar e a crescer

Tanta ternura me deste

E hoje eu olho para ti

Que mal te reconheço

Fico tão triste confesso

Porque assim nunca te vi

Que triste essa solidão

Em que vives imergida

Pareces já não ter vida

Perdida da imensidão

Tenho te sempre guardada

Aquela imagem de outrora

O que foste, e és agora!

Serás sempre eterna amada

ILHA BELA!!!!!!

sábado, 3 de julho de 2010

JORNALZINHO DA CULTURA DE CEARÁ-MIRIM

O JORNALZINHO DA CULTURA DE CEARA-MIRIM
Edição experimental. Junho de 2010. Editado pela comissão organizadora da ACLA

A ACADEMIA CEARAMIRINENSE DE LETRAS E ARTES
ACLA - VAI ESTIMULAR A CULTURA DO MUNICÍPIO


Uma comissão organizadora cuida da fundação da Academia Cearamirinense de Letras e Artes – ACLA, entidade que já nasce com o compromisso de estimular e preservar a riquíssima cultura da terra dos canaviais.
Composta por Gibson Machado, Lúcia Helena Pereira, Bartolomeu Correia de Melo e Pedro Simões, cearamirinenses nascidos ou adotados pela cidade, comprometidos com a cultura em suas mais variadas formas, a comissão já concluiu a as iniciativas necessárias à constituição da ACLA.
“Já contamos com Estatuto, relação de patronos, candidatos a acadêmicos e até mesmo um brasão” – relata Simões. “Temos o apoio da Academia Norte-rio-grandense de Letras e de alguns dos mais importantes intelectuais do nosso estado” conclui Pedro Simões.
De fato, a relação de patronos faz inveja a qualquer instituição cultural, dado a expressão literária dos relacionados e a sua importância no contexto regional e até nacional.
Rodolfo Garcia, por exemplo, foi membro a Academia Brasileira de Letras e a biblioteca dessa entidade tem o seu nome. Escritores como Jayme Adour da Câmara, e Júlio Gomes de Sena, de projeção nacional. Gente tombada pelo patrimônio cultural nordestino, como Nilo Pereira, Edgar Barbosa e Maria Madalena Antunes Pereira.
Poetas que fazem parte de qualquer antologia do nosso estado, tais como Juvenal Antunes, Adele de Oliveira e Anete Varela. Figuras de expressão até mesmo da política e da dramaturgia, do porte de Augusto Meira e Inácio Meira Pires.
Educador do nível do Padre Jorge O´Grady, festejado como notável em outros estados da federação.
Para que se tenha idéia de como anda a memória cultural do município, a maioria dos leitores com certeza ignorava o berço da maior parte dos patronos, não sabe nada, ou pouquíssima coisa sobre suas obras.
Pois a ACLA vai exigir dos seus acadêmicos uma monografia sobre cada um dos patronos para editá-las e distribuí-las nas escolas públicas e bibliotecas, com vistas à formação de uma consciência cultural regional.
Muita gente também desconhece os valores culturais contemporâneos. Gente que honra o patrimônio intelectual do município, tais como Sanderson Negreiros, um dos mais importantes escritores do Rio Grande do Norte, Bartolomeu Correia de Melo, reputado como um dos maiores contistas do país, Franklin Jorge, crítico literário, escritor, cronista do Ceará-Mirim, Inácio Magalhães de Sena, dos mais eruditos intelectuais do estado, autor de dois livros de memórias sobre o município.
Maria Lúcia Pereira, a poeta que tem no verde vale a sua fonte de inspiração, Anchieta Cavalcanti, jornalista, escritor e com um passado dedicado às artes cênicas da nossa terra e Pedro Simões, memorialista, cronista e contista que apropriou em seus livros o modo cearamirinense de ser.
E, finalmente, o escritor e arquivista da memória do Ceará-Mirim, Gibson Machado, grande animador da cultura popular e cioso guardião da história municipal.
A comissão organizadora da ACLA aguarda o fim do período eleitoral para implantarem a entidade, receosos de que a política partidária possa conduzir os nobres propósitos da instituição a rumos diversos dos pretendidos.
Até o momento em que editamos esse veículo, inúmeras tentativas foram feitas no sentido de obter apoio dos poderes constituídos do município – a Prefeitura e a Câmara Municipal – através dos seus titulares e nenhuma resposta foi dada, nem mesmo para que os membros da comissão fossem recebidos em audiência.
VERDE, SEMPRE TE QUERO VERDE.
(AO MEU VALE – CEARÁ-MIRIM)
Lúcia Helena Pereira


Verde, sempre te quero verde!
Vestido de esperança e dourado de sol.
Verde, sempre te quero verde
Brilhando na chuva e espreguiçando-se ao vento.
Verde, sempre te quero verde,
Iluminado e festivo
Comemorando história e preservando lembranças.
Verde, sempre te quero verde
Exibindo casarões, praças e ruas,
Patrimônios de antigas nobrezas.
Verde, sempre te quero verde,
Impetuoso, destemido e alvissareiro,
Na travessia dos séculos.
Verde, sempre te quero verde,
Na memória dos teus filhos ilustres,
Uns distantes, outros próximos do coração.
Verde, sempre te quero verde,
Coberto pelo aroma fresco das matas
E banhado pelos rios serenos,
Onde sussurram as sinfonias do tempo.
Verde, sempre te quero verde,
Embelezando-se no Oiteiro, Guaporé,
Santa Águeda, Verde - Nasce,
Mucuripe, Solar Antunes!
Verde, sempre te quero verde,
Na Usina São Francisco, Ilha Bela,
No Cumbe e Diamante.
Verde, sempre te quero verde,
Nas águas misteriosas e perfumadas dos olheiros,
Do rio Água Azul e rio Ceará-mirim sempre te quero verde Na casa - grande onde corri meus passos de criança,
E bebi água de poço refletindo a minha vida!
Verde, sempre te quero verde
Anunciando alegrias e acordando saudades.
Nas águas límpidas dos seus rios poéticos.
Verde de memoráveis figuras
Do meu bisavô - José Antunes de Oliveira,
Da minha avó paterna - Madalena Antunes,
Do meu tio-avô Juvenal Antunes de Oliveira,
Do primo amado - Nilo de Oliveira Pereira.
Ceará - Mirim de Edgar Varela e Edgar Barbosa,
Da ex-prefeita Terezinha Jesus da Câmara Melo,
De Roberto Pereira Varela e Rui Pereira Júnior,
De Adele de Oliveira e José Augusto Meira.
Verde de tantos nomes queridos:
Gracilde Correia de Melo, Idalina Correira Pacheco
Raimundo Pereira Pacheco e Olympia (meu avós maternos),
Ceará-Mirim dos meus pais:
Abel Antunes Pereira e Áurea Pacheco Pereira.
Dos meus tios: Ruy Antunes Pereira, Vicente Ignácio Pereira,
Maria Antonieta Pereira Varela e Luiz Lopes Varela,
Joana D´Arc Pereira do Couto !

Verde de Zizi -Augusto Vaz Neto- (primo tão querido),
De Herbert Washington Dantas,
Do meu trisavô - Manoel Varela do Nascimento e Bernarda.
Verde dos tios: Etelvina Antunes Lemos e Ezequiel Antunes.
Das minhas contadoras de estórias: Piô e Maroca.
Ceará-Mirim de Quincas e Lebre
Do compadre Joaquim Gomes (tocador de Rabeca),
De dona Biluca - rendeira de almofadas de bilro!
Verde, resplendente verde,
De minha Duda (Iara Maria Pereira Pinto),
De Uruca - Denise Pereira Gaspar,
De minha primeira professora: Valdecy Villar de Queiroz Soares!
Verde dos meus conterrâneos: Naide, Neire e Nadeje,
De Abner de Brito, Onofre Soares, Gibson Machado,
Waldeck Moura, Edvaldo Morais, Dr. Percílio e dona Esmeralda
A cidade verde, de canavial ondulante,
De oiticicas cheirosas, manacás, umburanas...
Ceará-Mirim – criança de 151 anos
Engalanando – se para festejar
Seu verde resplendente, luminoso e iluminado,
Brilhando nas asas dos araraús
Passeando pelo infinito
E ecoando nas sinfonias siderais,
Repercutindo - se no dobre dos sinos
Da Matriz de N.Sra. da Conceição
Ecoando pelo vale!
Ceará - Mirim! Sempre VERDE!
É assim que eu te quero!

Da série: “O Céu de Ceará-Mirim”
O DISCÍPULO DE GUTENBERG
30 de Setembro de 2008
Por Franklin Jorge



Aluísio Macedônio Lemos emociona-se ao reler as anotações que servem de matéria-prima ao livro de memórias que está escrevendo. Uma parte já foi composta em tipografia pela mulher, Dona Laurice, que se multiplica em atenções e cuidados.

Papai chegou ao Ceará-Mirim por volta de 1900, onde se casou em 1901 e lhe nasceu Adalgisa, professora durante anos no Ceará-Mirim onde era querida por todos. Casou-se com Justo, pai de José Lemos, que em 1952 repintou o teto da igreja de Nossa Senhora da Conceição.

Embora nascido em Natal, Macedônio não esquece o Ceará-Mirim, onde viveu depois que retornou de Fortaleza.

Há muita coisa sobre o povo e a cidade que ocultei no meu livro. Eu me lembro que quando viemos do Ceará para o Rio Grande do Norte, em 1910, estavam construindo a ponte de Igapó. Até então a travessia era feita por meio de barcos e canoas.

O avô de Macedônio, general do Exército Brasileiro, integrou o corpo de Voluntários da Pátria e lutou na guerra do Brasil contra o Paraguai.

Era muito amigo do general João Varela, cujo nome batiza uma das principais avenidas do Ceará-Mirim. Todos os domingos, o meu avô promovia jogos de baralho na sua casa e convidava o general João Varela.

Meu avô criava um macaco que certa vez subiu na mesa em que eles jogavam e embaralhou as cartas... O episódio ficou na crônica da família. Meu avô era calmo e tinha, como o general João Varela, uma barba longa à D. Pedro 11...

O general puxava de uma perna, em conseqüência de uma refrega no Paraguai. Era um homem muito bom e querido no Ceará-Mirim.

Macedônio lembra que o avô morava num velho casarão, nos oitões da Intendência e possuía, além da patente militar, vários imóveis de aluguel.

Sustentava quinze netos. Quando estava preocupado com alguma coisa, cofiava em silêncio a barba espessa... Morreu em 1921.

Uma das coisas que Macedônio não conta em suas memórias diz respeito à discriminação social que vigorava no Ceará-Mirim como uma lei não escrita.

As crianças pertencentes a classes sociais diferentes, não brincavam juntas e, de uma maneira geral, as pessoas eram discriminadas pelos senhores de engenho. Apurava-se muita nobreza e até gente que não tinha qualidade, porque não possuía dinheiro nem tradição, discriminava aqueles que estavam socialmente um degrau abaixo.

No Ceará-Mirim, os pobres era discriminados e não entravam em casa de rico. O delicioso avoador era comido às escondidas nas casas de família, por ser considerado peixe de pobre. Era comido fora de hora, para que ninguém lhe sentisse o cheiro.

Eu me lembro de um episódio que presenciei na feira, uma manhã. Eu estava perto de um garajau de avoador quando Sérgio Fonseca, que morava no quadro do Mercado, veio na nossa direção.
O vendedor lhe ofereceu o peixe e Sérgio, ao perceber a presença de um estranho, sentiu-se ultrajado. Reagiu grosseiramente, exigindo respeito, pois peixe daquela qualidade não lhe entrava em casa. O vendedor desculpou-se como pôde, explicando que lhe havia oferecido o garajau de avoador para ele vender aos trabalhadores de suas terras...

Ainda me lembro que as visitas eram anunciadas com antecedência e observavam todo um ritual. O Ceará- Mirim, acredite, era assim.

Até 1920 havia muito impaludismo no município. A terra, muito encharcada e cheia de olheiros, era das mais insalubres. Os invernos, rigorosíssimos, causavam grandes estragos à saúde da população.

O Ceará-Mirim tinha alguma coisa do Pará, onde vivi e trabalhei na Tipografia Guajarina. Lá, a base alimentar também era o peixe, a farinha d’água e o açaí... No Ceará Mirim comia-se muita verdura, porque era especial e barata. O feijão verde era indispensável, assim como o maxixe e

É com indisfarçável prazer com que Macedônio reconstitui os costumes alimentares antigos.

Na mesa do meu avô sentavam-se ele à cabeceira e os netos ao redor. Ficava diante dele um prato cheio de ovos cozidos, dos quais ele comia somente a clara de seis ou mais e dava as gemas para os meninos que ficavam mais perto dele...

O passadio era farto e saudável. Não faltava na sua mesa o canjicão, o jerimum, o cuscuz, a batata doce, a macaxeira, o munguzá e, às vezes, o pão e a manteiga.

Tomava-se o café puro ou com leite. Essa primeira refeição, da qual constava tudo isso, era tomada entre as seis e as seis e meia da manhã,

antes dos meninos saírem para a escola.

O almoço era de peixe ou galinha, quando não feijão com carne verde, farofa ou pirão, dependendo do gosto de cada família. Comia-se nessa segunda refeição muita verdura. A mangaba acompanhava o peixe cozido e espremia-se o cajú sobre o pirão de peixe...

À noite o meu avô gostava de comer banana-sapo ou banana-de-velho assadas com a casca e tudo e em seguida eram fritas em azeite doce. Também constava do jantar jerimum, arroz doce, pão, queijo - quando havia -, coalhada, leite e café. A batata não era comida à noite, porque provocava gases; meu avô as chamava de “pílulas bufantes”, só recomendáveis para consumo durante o dia...

Autodidata, Macedônio foi a vida inteira jornalista e tipógrafo. Ainda hoje mantém uma revista literária, A Juriti, que já tirou para mais de 150 números, sem a ajuda de nenhuma instituição.

Em Ceará-Mirim fundei a revista “Canaviais” e o jornal “Folha do Vale”. A coleção da “Folha...” está nas mãos do historiador Manoel Rodrigues de Melo, que a pediu emprestada e nunca mais a devolveu... Havia muitos jornaiszinhos manuscritos no Ceará-Mirim e eu acho que escrevi alguma coisa a respeito numa dessas publicações... “A Juriti” já não circula há quatro anos, mas temos um número parcialmente composto.

O jornalismo abriu para Macedônio as portas da política. Integralista histórico, fundou o partido no Ceará-Mirim, onde recebeu uma comitiva liderada pelo escritor Luís da Câmara Cascudo.

Cascudinho chegou em trem especial fretado. Fizemos uma grande festa na minha casa... Naquele tempo, havia no Brasil, veja só, 152 partidos políticos, nos quais se disseminavam todo tipo de comunista.

No Brasil a propaganda anticomunista era organizada e mostrava os horrores da Espanha, com freiras espetadas nas portas de conventos e hospitais... O Integralismo reagia a tudo isso sob o comando de Plínio Salgado, grande escritor, muito caluniado por se opor ao comunismo e ao fascismo no Brasil. Foi pioneiro nessa luta, mas revelou-se um fraco, pois deixou os brasileiros na mão, ao curvar-se diante da vontade do ditador Getúlio Vargas. Nosso lema era Deus, Pátria e Família.

Macedônio informa que Cascudo era um dos chefes do partido integralista no Rio Grande do Norte.

Homem de muita cultura, Cascudinho se prejudicou por ser popular. A sociedade burguesa não suporta os homens de cultura que conquistam grande popularidade, como Cascudinho. Eu ouvia muita crítica contra ele, de pessoas que diziam que ele não sabia tanto quanto se propalava...Que o seu talento era emprestado... Foi muito satirizado pelos adversários que temiam o seu gênio e a sua cultura.

Esmeraldo Siqueira dizia sempre muito mal dele. Chegava a ser injusto e impiedoso. Insistia que Cascudinho era ignorante, não sabia nada e escrevia muita besteira.

Havia até quem dissesse em Natal que seus livros eram escritos pelo professor José lvo Cavalcante... Depois José Ivo morreu e Cascudinho continuou escrevendo e publicando um livro atrás do outro, indiferente à inveja dos conterrâneos. Seus detratores, ao contrário, não deixaram nenhuma obra. Nada, nada, nada.

Em 1935, dinamitaram a casa de Macedônio no Ceará-Mirim, na antiga rua das Trincheiras, em frente ao Teatro Operário, que desapareceu com o tempo.
Tínhamos poucos militantes, apesar de o Ceará-Mirim ser potencialmente comunista. A cidade era conhecida em toda a parte com a Moscou Pequena, de tantos comunistas que havia lá...

O povo de Ceará-Mirim gostava muito de cultura, mas era ideologicamente fraco. Não tinha capacidade de ação e todos eram muito apegados a interesses pessoais.

Agora, você sabe, sempre há dissidentes. Porém, quando se insurgiam por algum motivo, não tinham força, não tinham expressão. Foi lá que eu aprendi que o oportunismo caracteriza as massas.

Franklin Jorge, uma das maiores expressões do contemporâneo momento cultural de Ceará-Mirim.


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