sábado, 27 de agosto de 2011

JULIO SENNA E O MEIO AMBIENTE

JULIO SENNA E O MEIO AMBIENTE

 
            Estamos no século XXI e a preocupação atual com relação ao meio ambiente já era denunciada pelo Engenheiro Julio Senna quando fez o mapeamento em Ceará-Mirim a partir dos anos 1930.
            Ele escreveu a respeito do desmatamento de nossas matas em função do plantio da cana-de-açúcar em seu livro Ceará-Mirim exemplo nacional, publicado em 1976.
            De acordo com as palavras de Senna, a partir da pg 259 de Ceará-Mirim - exemplo nacional – vol. I: seria demasiado infantil isolar a ação estrangeira da devastação das florestas nordestinas. O português monocultor tinha aversão às árvores brasileiras, chamando-as de mato ou ainda pé de pau.
            O português gostava de doce, de açúcar e os frutos encontrados eram azedos e contrários ao seu paladar. Maus frutos, árvores más. O senhor do engenho criou medo do ar, do sereno, da água, do sol, da mata. As casas foram fechadas e ficaram sem árvores próximas.
            Circunstâncias desse jaez, aliadas à cultura empírica das queimadas, ao medo dos bichos do mato, ao receio de tocaia indígena, criaram o ambiente da devastação, que se realizou vertiginosamente.
            O negro africano, exaurido do trabalho escravo, procurando adaptar-se à natureza, fugindo à canga patronal, fez do juazeiro ou do oiti o seu teto, a sua sombra, o seu ponto de descanso. E amou a árvore, poupando-a ao sacrifício da morte. E amou o fruto bravio, incluindo-o na sua dietética.
            Enquanto o português trazia a cabra para ajudar a devastação, o guaxinim estragava o canavial; enquanto o machado derrubava a maçaranduba, o pão-de-galinha matava a cana-de-açúcar; enquanto o cavalo penetrava a floresta para recambiá-la à fornalha do engenho, a varejeira o sangrava abrindo enormes buracos; enquanto o escravo madorrento puxava o carro de boi cheio de lenha, a jararaca lhe abocanhava o pé.
            A luta biológica foi um esforço de Hércules. Venceu o mais forte. Cumpriu-se a lei da seleção natural. Caiu a floresta na sua quase totalidade e surgiram os campos e os canaviais. Foi um bem??? “Dolorosa interrogação!”
            A incúria do monocultor não alcançava o desastre das queimadas. Ignorando até o nome das árvores, considerando a mata casa de bichos, reino de miasmas, não fazia mal que o fogo a devorasse.
            Depois de um ano de cultura era necessário buscar outra terra. Aquela estava usada, não prestava mais. Outra queimada, outra devastação.
            A terra sombreada ficou desnuda e seca. A água evaporou-se. É palpável! E ainda existem cegos que negaceiam o valor das matas!
            O corte de lenha tem assumido tais proporções que espantam ao mais precavido observador.
            A vida municipal tem base no combustível vegetal. Possuindo engenhos para o fabrico de açúcar, quase todos a vapor, é a lenha que move as suas máquinas, hoje em número de 36 e outrora 56.
            Ora, cada engenho gasta, em média-baixa, 2.000 metros cúbicos por safra (anual). Em 1845 já possuía o município 43 engenhos e algumas engenhocas. Calculando o gasto de lenha para 45 banguês, desprezando as engenhocas, dessa data até hoje, temos: 8.370.000 m3 de lenha (oito milhões trezentos e setenta mil metros cúbicos).
            Computando o gasto de 5 caieiras a 6.000 m3, temos para 50 anos: 300.000 m3 de lenha. A Estrada Ferro Central, desde 1908, levou aproximadamente 60.000 m3. Somando temos 8.730.000. Acrescentando a lenha fornecida para olarias, beneficiadoras de algodão (2), usina de iluminação, 124 casas de farinha (fornos), fábrica de doce e destilarias, podemos arredondar, folgadamente, para 9.000.000 m3 de lenha.
            A salvação da floresta tem residido no poder vegetativo da catanduba. Esta árvore, cortada abruptamente, depois de quatro anos, já os rebentos estão capazes de novo corte. Nenhum industrial lembrou-se, até hoje, de replantar a catanduba do arisco potiguar.
            Apesar do grande consumo de madeiras, nunca o assunto obteve os cuidados merecidos da administração municipal.
            O fícus benjamim entrou no município como árvore ornamenta, um pouco mais tarde apareceu como árvore de sombra à porta de algumas fazendas.  O africano, trouxe o dendezeiro (Elais guineensis) e o holandês nos doou a pimenta-do-reino (piper nigra).
            A mungubeira andou pelas ruas da cidade e fugiu... não a encontramos na nossa peregrinação municipal. A sensitiva anda junto com o tira-fogo à beira das estradas do vale. Somente assim puderam escapar ao martírio do machado. Para essas duas plantas não encontramos classificação, ou, melhor, nome científico ou botânico. A sensitiva é uma árvore de 4 a 5 metros de altura e de porte muito elegante.
            Ao jenipapeiro, o senhor de engenho declarou guerra. Alguns exemplares ainda existentes estão ao redor de casas de caboclos. A cajazeira somente escapa ao machado quando serve de estaca para cerca. O imbu-cajá, a imburana e o pinhão-bravo são companheiros da cajazeira do stacame os cercados feudais.
            O catolé, pobre palmeira nacional, está relegado ao esquecimento. Entretanto é uma árvore providencial, que produz um fruto bastante apreciado. O coco do catolé produz óleo d primeira ordem.
            Tatajuba, pau-brasil, cedro, existem alguns exemplares, por milagre. Gulandins, só em Manibu, no baixo-vale do Ceará-Mirim. Aroeiras e oiticicas, quase todas roletadas todos os anos, para a fornalha dos engenhos de açúcar. Ainda assim, os anos, permanecem vivas, rebentando como novos brotos.
            Juruparana, árvore amiga do índio, nem mais um exemplar! A sua lembrança nos vem do nome de uma propriedade existente no arisco do baixo-vale. Oiti-trubá, uma doce recordação. Madeiras de lei, já quase não possui o município. O município foi queimado e o dono da terra, o índio, expulso de sua oca.
            O clamor público contra a extinção das espécies florestais de natureza econômica criou um atmosfera de protesto entre as pessoas de responsabilidade do estado. E desse protesto surgiram as leis de proteção para a carnaubeira, para a oiticica, para a maniçoba e para a mangabeira.

            O texto acima foi escrito entre os anos 1930 e 1940. É certo que as leis ambientais existem, no entanto impossível fazê-las “valer”. Em pleno século XXI, somos surpreendidos com verdadeiros crimes ambientais: desmatamento da Mata do Diamante e de outras similares nas ribeiras, queimadas temporárias em períodos de safra da cana, poluição de nossas bacias hidrográficas e, também, devastação das matas ciliares de nossos rios, levando ao desaparecimento as nascentes e olheiros que brotavam em todos os lugares de nosso vale.
            Das árvores descritas por Julio Senna já não existem mais exemplares e analisando os textos sobre fauna e flora em seu livro, verificamos que sobreviveram apenas aqueles seres que circundavam as moradias. Onde estão os animais selvagens de Diamante? As árvores nobres? Os poucos Pau D’arcos que víamos do Patu, são apenas recordações, ou, às vezes, um “Ipê-teimoso” brota na colina que margeia o vale irradiando e colorindo de amarelo ou roxo nossos olhos saudosos.
            Vale a pena uma nova publicação de Ceará-Mirim – exemplo nacional – o livro certamente contribuirá para futuros estudiosos de nossos problemas como foi o grande mestre Julio Gomes de Senna. 

 Início da Mata do Diamante
Hoje fui à Mata do Diamante com alunos do curso de Ciencias Biológicas da UFRN: meu filho Rafael, Natália e Harison. Fizemos um breve reconhecimento da floresta e coletamos algumas amostras da flora e fauna existente no local. 
Há poucos exmplares de árvores nobres na região, no entanto,  ainda é possível encontrar Ipê, Pau Ferro, Sucupira, Peroba, Massaranduba, Guabiraba, entre outras. Seria muito importante que fosse realizado um mapoamento do que ainda resta de nossas matas nativas.  É necessário preservar estes patrimônios ambiemtais que circundam a cidade de Ceará-Mirim. São pequenas ilhas, mas, importantes reservas de fauna e flora nativa.
 
 Grande Tamboril em um cruzamento de picadas no interior da mata
Rafael, Natália e Harison

Iremos buscar parcerias que a possivilidade de um projeto de extensão da UFRN em nossa cidade a fim de realizarmos as pesquisas destes ambientes. 
Fico muito feliz em ver o interesse de Rafael pelas coisas de Ceará-Mirim, principalmente, quando inclui em suas pesquisas científicas a questão do reflorestamento e estudo da fauna e flora de nossa província bacuipiana. Quem sabe, dando continuidade às pesquisas do grande cientista cearamirinnse Julio Gomes de Senna. Devemos nos preocupar com o futuro de nossa terra, pois, é responsabilidade dos filhos presentes, garantir a preservação das tradições e de nosso ambiente, às gerações futuras.
 
Rafael catalogando um Pau Ferro


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