Em 14 de Maio de 2012, o Sr. Sebastião
João da Rocha, o Tião Oleiro, que é o mestre dos “Congos de Guerra de
Guanabara”, completou 98 anos de vida, desses, (90) noventa dedicados à cultura
popular e (78) setenta e oito ao grupo folclórico Congo de Guerra, que foi
revitalizado em maio de 1934.
O
artista popular nasceu em 14 de maio de 1914, no engenho Guanabara, em
Ceará-Mirim/RN. Quando criança frequentava os terreiros dos engenhos onde
brincava e, ao mesmo tempo, observava a labuta dos mais velhos. Quando podia,
sua diversão era abrir cancela e pegar carona nos carros de bois, por conta
disso, muitas vezes apanhou de seus pais, no entanto, entre uma surra e outra, foi
aprendendo o traquejo das tarefas desenvolvidas pelos agricultores nos partidos
de cana. Logo cedo, aos seis anos, ajudava o pai na lavoura, cuja tarefa era
espantar os passarinhos.
Na
adolescência o menino Tião ajudava no engenho e, dessa forma, aprendeu todas as
tarefas necessárias ao bom funcionamento da fábrica de mel, açúcar e rapadura.
Chegado
o período das moagens, o Senhor Joel, proprietário do engenho Grande testava os
maquinários, gerando uma expectativa muito grande nos moradores da região,
principalmente quando as máquinas eram colocadas em funcionamento e surgiam os
primeiros sinais de fumaça na grande chaminé. Era uma alegria indescritível,
todos os empregados ficavam felizes e faziam festa. Começava uma fase de
bonança, onde todos teriam condições de viver bem, como ele costuma dizer, de
barriga cheia.
O
mestre lembra das madrugadas quando o apito do engenho Grande quebrava o
silencio do vale, era hora de iniciar as atividades e, ele, era o primeiro a
chegar, pois, muito jovem, corria para tomar garapa de cana. Seus olhos
brilham, parecendo sentir o cheiro e sabor do líquido açucarado.
Certo
dia, o gerente de Seu Joel, o velho Estevão, o convidou para trabalhar no
engenho, sua tarefa seria alimentar a caldeira. Botar fogo na fornalha. Aos
quinze anos iniciou sua vida na labuta dos engenhos, aprendendo o ofício de
folgueiro, ensinado pelo velho gerente. Quando era dia de pagamento, ele ficava
muito satisfeito e recebia feliz seus dez tons pelo fogo botado na fornalha.
Mestre Tião e Gibson Machado
A
vida de agricultor foi totalmente dedicada ao engenho Guanabara, tudo que
aprendeu foi lá. As experiências transmitidas pelos mais velhos, pelos pais,
pelos filhos, pelos amigos, cada dia era um ensinamento, por isso, diz
nostálgico, “adoro aquele pedaço de barro”. O Guanabara foi seu professor e, por
isso, não gosta de andar pelo vale que o viu nascer e crescer, são muitas lembranças
boas e não se conforma em vê-lo acabado, abandonado, um patrimônio importante
que deixaram morrer.
Suas
lembranças estão vivas e uma das coisas que mais lembra é o respeito que tinham
pelo gerente do engenho. Ele era um pai para todos. Nunca foi preciso recorrer
as autoridades para resolver as questões pessoais e de trabalho do engenho. A
justiça era feira pelo gerente e o dono. Não eram permitidos desentendimentos
entre os trabalhadores. Isso era muito bonito porque passava tranquilidade e
todos viviam felizes.
Para
o mestre Tião, o engenho Guanabara foi o patrimônio mais bonito de Ceará-Mirim.
Lamenta ver todos os engenhos acabados e não entende porque deixaram tantos
patrimônios abandonados, principalmente porque eles sustentavam todas as
famílias. Os moradores dos engenhos plantavam de tudo. O vale era muito rico,
plantavam feijão, milho, batata, arroz, algodão... tinha de tudo. Esses
alimentos abasteciam as cozinhas das casas e sobrava para vender na feira de
Ceará-Mirim. Toda essa riqueza saia do vale. O povo plantava e comia dali. Os
engenhos tinham bons sítios, tinham patrões e moradores. Infelizmente hoje não
existem mais patrões, existem empregadores e, estes, não querem ver os
empregados.
A
proximidade do engenho Guanabara com o Laranjeiras contribuiu para que o menino
Tião tivesse uma relação amigável e fraterna com as crianças de Joca Sobral.
Brincavam muito juntos. Lembra que as brincadeiras eram de meninos e meninas.
Brincavam de tica tica e, principalmente, de dar balão no rio. Quando anoitecia
brincavam com cantigas de rodas, cirandas, atirei o pau no gato. Os pais e as
mães ficavam assistindo as brincadeiras. Ainda lembra de uma música: “Senhora dona Viúva, com quem tú quer se
casar, é com o filho do rei ou é com o do generá, generá?? E respondiam: “Eu não quero esses homens que não chega
para mim. Sou uma pobre viúva e coitada de mim, de mim. Ô valentin, tim, tim,
Valentim, meu bem”. Com o olhar
distante e pensativo, diz que essas brincadeiras da infância distante é cultura
popular. É folclore.
Foi
um jovem muito curioso e obstinado, por isso, aprendeu a tocar fole sozinho.
Seu irmão era tocador, mas, não queria ensiná-lo. Na sua ausência aprendia a
tocar escondido. Sua primeira experiência foi em um baile. Tocava com um amigo
mais experiente e, no meio da festa, o colega o abandonou e teve que terminar
sozinho. Foi o início de sua vida como artista e sanfoneiro.
Tocava
em todas as comunidades, principalmente no povoado de Palmeiras onde havia
muitos pastoris nos sábados. Gostava de tocar no Pastoril. As moças começavam a
dançar, então, o cavaleiro oferecia, na época, por exemplo, dez contos para
dançar com uma pastora escolhida. Outro concorrente oferecia doze contos para
aquele parar de dançar. Assim, no final da festa, o dinheiro recolhido era
dividido com o sanfoneiro. Foi um tempo que não havia maldade, desavenças, as
pessoas respeitavam as outras.
Em
1935, ele teve uma experiência muito ruim. Tinha estourado a revolução e no
engenho só tinham notícias vagas, não sabiam o real perigo que aquilo
representava. Seu Tião veio a Ceará-Mirim com três amigos para fazer uma visita
ao seu pai que se encontrava no Lazareto, que era um leprosário. Quando falou
com o pai, este o aconselhou para que não passassem no mercado, pois estava
muito perigoso. A curiosidade dos jovens foi maior e eles resolveram passar pelo
local. Chegando lá foram abordados por um sargento do exército revolucionário
que estava acampado na antiga delegacia.
Foram
levados para a delegacia e receberam rápidas instruções de como manuseariam os
rifles e para espanto de Seu Tião, o sargento entregou-lhe um bornal com 40
balas e disse-lhe que iriam atacar Touros bem cedo, mas antes ficariam de
guarda na ponte de ferro sobre o rio Ceará-Mirim.
Qualquer
carro que cruzasse a ponte era para atirar, com exceção de Juca Fonseca. De
madrugada, um frio de medo e de temperatura o deixava trêmulo, até que apareceu
um carro e o soldado de sentinela o mandou para a ponte a fim de interceptar o
veículo. A ordem era atirar nos pneus. Para sorte de seu Tião, o carro era de
Juca Fonseca e ele escapou do primeiro tiroteio.
Quando
chegaram pela manhã na delegacia, ele pediu ao sargento para ir tomar um café na
casa de seu tio que ficava ali perto. O sargento o fez prometer que voltaria e
o deixou ir. Ao sair da delegacia ele tomou o caminho de casa de uma carreira
só e quando chegou no engenho Guanabara soube que a revolução tinha terminado e
que os soldados tinha sido dominados em Ceará-Mirim, embaixo de um forte
tiroteio, que foi escutado por ele, quando fugia, assim escapou do segundo
tiroteio.
Apresentação do Congo de Guerra em 06/12/2011
Quando
criança, aos Oito anos, brincava no Congo de Saiote do pai João da Rocha. O
Congo é um folguedo popular que faz referências às lutas medievais e embaixadas
a soberana africana Jinga. Aprendeu as jornadas e músicas do brinquedo com seu
pai, quando ia para o roçado. Iniciou no brinquedo como marujo no final da
fila.
Em
1934 recebeu do pai a responsabilidade de não deixar o brinquedo morrer. Assim
o fez. São (78) setenta e oito anos lutando contra a ignorância, a falta de
incentivo e, principalmente, pela preservação daquela tradição centenária,
pois, existe desde 1900 quando foi criado pelo velho João e o ex-cativo Pedro Macenas.
Conhecer
o Mestre Tião é uma viagem à história de Ceará-Mirim. Sua simplicidade nos faz
sonhar, imaginar e viajar em seus contos, nas histórias da bagaceira, sentindo
o cheiro da cana, ouvindo o barulho das máquinas e o cantar das rodas do carro
de boi.
Minha
relação com o artista já somam 13 anos. Nesse período temos travado muitas
lutas pela valorização e reconhecimento de seu esforço para manter seu grupo
folclórico vivo.
Em 2007 a Fundação
Roberto Marinho, através do Canal Futura fez um documentário sobre o Mestre. As
filmagens aconteceram na comunidade de Tabuão no mês de setembro. O
documentário foi “A beleza do meu lugar” e foram escolhidas 16 figuras populares
em todo o Brasil. O documentário do Mestre Tião Concorreu ao XIX Festival de
Curtas de São Paulo.
Em função do
documentário a Fundação Roberto Marinho mandou pintar um painel do Mestre Tião
na galeria de sua sede no Rio de Janeiro.
Coordenadora do Canal Futura Nordeste Ana Amélia em frente ao painel de Mestre Tião - RJ
Ainda em 2007 as
meninas do Projeto Vernáculo fizeram o documentário sobre o mestre e o Congo de
Guerra, que concorreu no Festival de Curtas Potiguares.
Em 2009 inscrevemos o
Mestre no Programa da Fundação José Augusto “Patrimônio Vivo do Rio Grande do
Norte”, onde o mesmo foi selecionado, recebendo uma bolsa mensal pro resto de
sua vida.
Ainda em 2009, concorreu
à premiação do “Culturas Populares Mestre Dona Isabel” do Ministério da
Cultura. Ele foi selecionado entre mais de 2000 candidatos em todo o Brasil.
Infelizmente até hoje não recebeu a premiação. Atualmente estamos reivindicando
junto ao Ministério da Cultura o pagamento do prêmio.
Valorizando a cultura
popular e suas figuras importantes, os vereadores Ronaldo Venâncio e Julio Cesar
fizeram duas homenagens ao mestre. O primeiro o homenageou na Câmara Municipal
em seu mandato anterior e o segundo, o fez, na comunidade de Massangana
juntamente com o mestre José Baracho já falecido. Ainda restam algumas
esperanças com relação a preservação de nossas manifestações populares. Uma
prova que a cidade tem muitos talentos, e com um pouco de sabedoria e
compromisso, podem explodir para o mundo. Como diz meu amigo Pedro Simões, nosso
presidente da ACLA, “CEARÁ-MIRIM TEM JEITO!!!”
Diante de toda essa
linda história, temos obrigação de reverenciar esta figura tão importante para
a cultura do Brasil e agradecer pelo que fez pela preservação de nossas
manifestações populares, através do folguedo Congos de Guerra – como ele mesmo
diz: “sou feliz e morro satisfeito por
ter preservado esse brinquedo”.
Ave,
Ave, Ave, MESTRE TIÃO!!! Que sua luta nos contagie, fortalecendo ainda mais
essa vontade de” fazer e fazer”... “Qualquer hora chegaremos lá!!!”
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