domingo, 13 de dezembro de 2009

O SOBRADO DOS ANTUNES E A MENINA MADALENA

O SOBRADO DOS ANTUNES E A MENINA MADALENA
Rosana Mendonça Rodrigues
O Rio Grande do Norte preserva algumas construções arquitetônicas bastante marcadas pelo período neoclássico. Em Ceará Mirim, destaca-se, dentre outras, o sobrado dos Antunes, localizado na principal avenida da cidade - Rua General João Varela - construído em 1888, por José Antunes Pereira, um cearense, coronel da guarda nacional, pai de Maria Madalena Antunes Pereira. O prédio é de grande importância histórica para o município por ter sido cenário de reuniões entre políticos, intelectuais e comerciantes, na época de maior pujança econômica e política do município, quando foi também palco de grandes encontros, festas e saraus. Para Umberto Peregrino ele “não tinha propriamente beleza, mas a severidade das suas linhas antigas impressionavam”. O sobrado tem uma fachada principal de concepção simétrica, uma porta de acesso emoldurada por duas colunas e um frontão curvilíneo, com a inscrição ANTUNES. As esquadrias da casa são de madeira pintada e vidros, com todos os vãos em arcos plenos, características do estilo neoclássico. No ano de 1978 o sobrado foi restaurado pela Fundação José Augusto. Ainda conserva características internas originais, como parte do assoalho, a escada interna e todas as molduras de madeira, que são de pinho-de-riga. No livro Oiteiro, escrito por Maria Madalena Antunes Pereira, o sobrado representa o “símbolo de uma modesta grandeza”. Dali ela contemplou, por muitos anos, através de suas amplas janelas, “o esmeraldino brilho dos canaviais” e sentiu, através do vento, “o aroma do fumo das chaminés distantes (...) quais turíbulos espargindo por toda a parte o incenso do trabalho”. Suas reminiscências, assim como os escritos de Nilo Pereira e Umberto Peregrino, tornaram-se valiosas fontes de leitura para os curiosos em conhecer o passado do Ceará–Mirim, a ascensão e a decadência da atividade açucareira no Rio Grande do Norte e os acontecimentos do cotidiano vivido num sobrado que se erguera com a prosperidade dos bangüês, enquanto o açúcar dera dinheiro. A perspectiva do sobrado, feita por Madalena, revela o cotidiano de quem viveu num passado senhorial e escravista. Para alguns, Madalena foi apenas a figura de uma menina de origem patriarcal, filha de um senhor de engenho; para o escritor Nilo Pereira, uma “sinhá”. Umberto Peregrino a definiu como “senhora e alma daquela casa....guardava uma nobreza magnífica. Espírito claro e amável, bondosa e acolhedora”. Com suas memórias, publicadas em 1952, Madalena juntou-se ao pequeno grupo de mulheres que, independente de seguir um determinado estilo literário, lançou-se às letras com o propósito de deixar registros de um passado no qual não era somente o negro que clamava por liberdade. Também a mulher, não obstante sua cor ou condição social, sentia-se “escrava” do tempo e dos costumes. Quanto ao sobrado, presença marcante daquela época, é atualmente a sede da Prefeitura Municipal. De suas janelas, assim como o fazia Madalena, pode-se contemplar a imensidão do vale. Com um pouco de imaginação, ouve-se o apito do trem, com a sua fumaça (re)acendendo a lembrança de um passado que foi do senhor de engenho, da sinhá, do escravo, da senzala, da cana de açúcar. Completa-se, assim, um ciclo de fantasias e de sonhos.
Fonte: Ceará-Mirim tradição, engenho e arte - SEBRAE - 2005 Org.: Raimundo Arraes, Inalda Marinho, Daiane Luz e Gibson Machado.

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