OITENTA E UMA VÊNIAS PARA MESTRE
LUIZ CHICO
“Nas
horas de Deus amém. É pade, filho, ‘Sprito Santo. São as primeira cantiga, que
nesse auitório eu canto.
Sai
o Só e sai a Lua, sai as Istrela também, saiu essas Primavera, nas horas de
Deus amém...”
Em 20 de agosto de 1935 nascia
Luiz Chico na comunidade de Matas, distrito de Ceará-Mirim.
Muito pequeno andava entre as
ribeiras do Rio Ceará-Mirim e os terreiros dos engenhos de açúcar, que povoavam
todo o vale, acompanhando os folguedos de Boi de Reis, Pastoril, Lapinha e
Congo. Era um divertimento ver e ouvir as loas de Birico e Mateus, as vênias do
Boi, principalmente, na morte e repartição do animal, quando o Birico, Mateus e
a Catirina, faziam a divisão: “o figo do boi, simamué, esse é de nois dois,
simamué...e o coração, é pra mané João...e a passarinha, pra dona Guidinha...
Assim, quando engrossou o
pescoço, entrou para brincar de daminha no rabo do cordão...evoluiu e chegou a
brincar de Mateus.
A história do Boi-de-reis em
Ceará-Mirim, provavelmente, se inicia com o desenvolvimento da economia
canavieira, pois, há relatos de grupos existentes nos velhos engenhos
primitivos.
O folguedo existente no
distrito de Matas é remanescente de antigos grupos que existiam na ribeira do
rio Ceará-Mirim entre as comunidades de Capela, Matas e Mineiros. Ele surgiu no
início dos anos 1950 com a chegada de um taipuense que fazia a figura do Mateus
e montou o grupo cujo primeiro Mestre chamava-se Zé de Rosa.
A partir de 17 de maio de
1957, com a saída do Mateus, o senhor Luis Chico assume o grupo e, também, a
figura do Mateus, passando a liderar seus marujos até os dias atuais. Durante
esses 59 anos o folguedo tem enfrentado as mais variadas dificuldades, desde a
morte dos velhos marujos até a desvalorização do brinquedo pela sociedade e,
principalmente, pelo poder público que não viabiliza oportunidades para a sua
preservação.
Apesar de todas as dificuldades
o Mestre Luís Chico tem sido um verdadeiro Herói na condução de uma tradição
tão importante para a história e cultura de nosso município.
O Boi-de-reis é formado por
personagens humanos, animais e seres fantásticos. Os humanos são o Mateus, O Birico,
Nanã, os Galantes e as Damas. Atualmente os animais são a Burrinha e o Boi e
representando os seres fantásticos, o Jaraguá.
Atualmente o folguedo tem
sofrido muitas transformações, principalmente no que diz respeito às figuras,
pois já não existe tempo suficiente para suas apresentações. As encenações que havia durante o evento,
também, foram abolidas, pois a duração fica em torno de vinte a trinta minutos,
o que impossibilita desenvolvê-las plenamente, principalmente a moagem do
engenho e a matança e ressurreição do boi.
A representação do boi,
atualmente, limita-se a danças e cantigas, como as cantigas de abertura,
compreendendo saudações e louvações aos “donos da casa”, ao Messias, pelo seu
nascimento e aos Santos Reis; loas declamadas pelo mestre e pelo trio de
cômico, Mateus, Birico e Nanã; apresentação das figuras da Burrinha, Jaraguá e o Boi e as cantigas de despedidas.
Os enfeitados do boi são o
mestre, as Damas e os Galantes. Eles se apresentam festivamente vestidos,
cantam velhas cantigas religiosas, louvações e saudações, além de tradicionais
baianos. O Mestre é o responsável pela brincadeira, é a pessoa que contrata as
apresentações e convoca os componentes do grupo para os ensaios.
Os Galantes, em número de
quatro, vestem-se de maneira idêntica ao Mestre. Durante a representação,
dispõe-se em duas alas ou cordões e realizam evoluções, cruzamentos,
meias-luas, etc. As Damas, em número de duas, são meninos de dez a doze anos,
travestidos de mulher.
A figura principal do folguedo
é o Boi. É o último que se apresenta. Depois que ele sai de cena, cantam-se as
despedidas.
Minha história com o Mestre
vem desde 2000 quando o encontrei pela primeira vez. Foi mais um pai, irmão ou
filho que ganhei. O amor que tem pela sua arte me cativou e, desde então,
mantivemos uma relação fraternal sincera e, com ele, aprendi a amar o simples,
o popular, as tradições de raiz, a valorizar a sabedoria do povo, seus causos,
suas crenças, suas histórias de vida. Aprendi que ser grande, é ser natural,
simples, porém, verdadeiro!
Sempre que posso, passo um dia
de prosa com o mestre, ouvindo e gravando suas histórias, suas músicas, as
loas, os versos...esses dias são alimentos para minha alma e, apesar da
indiferença e discriminação pelo popular, nos sentimos importantes porque, nos
finalmentes, nós, os populares, somos especiais, não importa o quanto os outros
pensem!!
Um dia a história será
testemunha de que valeu a pena lutar pela preservação, valorização,
fortalecimento e reconhecimento das tradições populares e, nossos mestres, Tião
Oleiro, Luiz Chico, Manoel Gomes, José Rodrigues, José Baracho, Maria do Carmo,
Severino Roberto, Belchior, as rendeiras de Jacumã, e tantos outros, serão os
verdadeiros heróis dessa luta!!
Como diz o velho Tapuio:
“Não
chores, meu filho, não chores, que a vida é luta renhida: Viver é lutar. A vida
é combate, que os fracos abate, que os fortes, os bravos só pode exaltar.
...Um
dia vivemos! O homem que é forte não teme da morte; Só teme fugir; No arco que
entesa tem certa uma presa, quer seja tapuia, Condor ou tapir.
...As
armas ensaia, penetra na vida: Pesada ou querida, viver é lutar. Se o duro
combate os fracos abate, aos fortes, aos bravos, só pode exaltar.”
VIVA MESTRE LUIZ CHICO!!!
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