domingo, 25 de julho de 2010

FIGURAS E FATOS QUE O TEMPO NÃO ESQUECE

FIGURAS E FATOS QUE O TEMPO NÃO ESQUECE
Por Antonio Sergio M. da Silveira - Bacharel em História - UNP

Seu Egidio fazendo o transporte de água em seus burrinhos

Todos os países do mundo, raças, grupos humanos, famílias, classes profissionais possuem um patrimônio de tradições que se transmite oralmente e é defendido e conservado pelo costume. Esse patrimônio é milenar e contemporâneo. Cresce com os conhecimentos diários desde que se integrem nos hábitos grupais, domésticos ou locais.
Dessas tradições populares, por ser o homem mandatário do seu tempo, faz-se necessário lembrar velhas figuras e alguns fatos que, na distância dos tempos idos, povoarem o imaginário de toda e qualquer criança, bem como, dos adultos do meu tempo.
Do Ceará-Mirim que conheci, lembro-me de Rosinha, doce velhinha que pelas ruas perambulava com sua boneca, maltratada pelo tempo, dizendo se tratar da filha que nunca tivera.
Lembro-me da pessoa de Orelhinha, vigia pontual, pai respeitado e fonte de algazarras das crianças que não fossem as suas. Nessas lembranças faz-se presente à quadrinha que, no lirismo infantil, era entoada nos jardins da Praça da Matriz:

O Galo canta;
Macaco assovia,
(...) de burro,
No (...) do vigia.

Todavia, a brincadeira terminava quando o mesmo, no ímpeto de fugir daquela situação, conclua os versos com a mais pura das palavras:

E se não fosse o vigia,
Menino safado...
Sua Mãe não paria.

Recordo-me, também, da figura de Aluízio Morreu, perturbado pelo tempo, fruto da campanha política de 1960, entre Aluízio Alves e Dinarte Mariz.
Quem não se lembra de Bigode de Arame, velhinho bom, homem trabalhador que, acompanhado por seu burrinho, fiel companheiro, de lata em lata abastecia d’água as cisternas das casas de Ceará-Mirim.
E Miê, sujo como ninguém, revoltado com tudo e contra todos, figura impoluta das crianças do meu tempo.
Lembro de cuíca, pessoa doentia, que das poucas palavras que pronunciava, nove entre dez eram palavrões.
Povoa-me a memória a figura de Aucha, empregado do Sr. Paulo Rocha que, injustamente, as más línguas atribuía a ele o furto do peru do seu patrão.
Vejo Edinho, nas suas andanças pelos quintais alheios em busca das galinhas perdidas. Um episódio deste se sucedeu no quintal do Sr. Joaquim, quando ao cair da noite, o mesmo teria posto abaixo o teto do galinheiro. Atordoado pelo barulho povoado pelo estrondo, o Sr. Joaquim teria gritado da cozinha de sua casa: o que é isso? Quem está aí? Edinho ao perceber a aproximação do dono da casa, sai com essa: “ou seu Joaquim, que serviço mal feito!!”.
Outro que, tardiamente, se faz presente é Cabrinha. Certo dia ao ensaiar um ataque epiléptico durante uma manifestação política, no Largo do Mercado. Preocupando a todos, o mesmo se levanta e sai logo com essa pérola: “Quem está com Geraldo não DIZMAIA”.
Porém, nesse universo de recordações, outras figuras e fatos menos pitorescos, livre da rotulação das crianças povoam os meus sonhos.
Vem à tona o Sr. Graciano com seu velho caminhão pipa, cuja ignição era acionada por uma manivela posta à frente do motor que ao se mover, enchiam de esperança os lares de Ceará-Mirim com as águas dos olheiros Pedro II, Diamante, entre outros.
Desse Ceará-Mirim, me vejo nas farmácias de Lourenço, Chico Padre e Pedro Gomes, a mando dos meus pais, em busca de mertiolate para sarar os furúnculos extraídos pelo Sr. Ozéias.
Lembro-se do comércio de Ceará-Mirim, da mercearia de Agenor Câmara, do Ponto Comercial de Manoel Luiz, o maior do meu tempo ou quem sabe, das insistências em comprar saco na bodega de Pedrão, que maldade!
Nessa andança, me vejo na Loja de Pedro Costa. Escolhendo um tecido ou na Casa Correia, para num futuro próximo, ser cortado e costurado, transformando-se em vestuário pelas mãos talentosas de Dona Luizinha ou quem sabe, compra-las na Lojas Paulistas.
Nesse manhã de criação, não poderia esquecer a Feira-livre aos sábados e domingos; o vai-e-vem das pessoas buscando o que comprar; o velho mercado, com seus locais espalhados no seu quadrante. Destes, me desloco para o de Seu Joaquim, na busca de comprar a melhor carne de Ceará-Mirim.
Ah! Não porém esquecer o cinema de Chico Uriel, as Matinês, os roletes de cana, pirulitos sobre as tábuas, o cachorro “quente” de soja, os polís vendidos em sua calçada em sua calçada, tamanha guloseima.
Relembro a Festa da Padroeira, Nossa Senhora da Conceição, dos botequins de palhas enfeitadas com bandeirinhas de papel seda, das cestas recheadas de castanhas de caju; da abertura da festa, vendo a frente da Banda de Música o Tenente Djalma.
Vejo-me na praça da Matriz, na sorveteria do Senhor José Bonifácio, comprando um picolé a pessoa conhecida por “Criança”.
Desloco-me para dentro do “Magirius”, referência em transporte urbano de Ceará-Mirim que, ao “piscar dos olhos” estava logo-logo em Natal... se não ocorresse a baldeação da ponte de Igapó.
Nessa viagem ao passado me ponho diante das lembranças de um tempo que não volta mais. Permita-me o “hoje”, mas o “ontem” era bem melhor.

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