domingo, 11 de julho de 2010

O POETA ZÉ BARACHO - 81 ANOS

O poeta Zé Baracho - 81 anos

José Severino da Silva nasceu em Tabuão, ao meio dia de uma quinta-feira, 04 de julho de 1929 e quem o ajudou a vir ao mundo foi u
ma parteira chamada Angelina. Seus pais eram João Severino do Nascimento e Francisca Rosa da Conceição.
Seu pai nasceu no engenho Timbó no final do século XIX, quando ali ainda existia o cativeiro e o Major – como era conhecido Zumba – imperava naquele engenho-correção, pois para lá eram mandados os negros que resistiam à escravidão e, eram obrigados a respeitar seus senhores à força do chicote e tronco.
João Severino casou pela primeira vez com uma moradora do engenho Timbó e, depois de sua morte, casou com Dona Francisca, mãe do poeta Zé Baracho. Seu pai faleceu em 1946 e ficaram nove filhos pequenos, três homens e seis mulheres.
Quando seu pai faleceu Zé Baracho assumiu, com seu irmão Manoel, a responsabilidade da casa. Naquele tempo estava com doze anos e iniciava sua vida dentro do canavial onde cortava cana com uma mão e fazia a despalha (limpava a cana) com a outra. Era muito sacrificante para uma criança enfrentar tamanha dureza, mas o dever e a responsabilidade eram mais importantes e precisava manter sua família.
Gibson e Zé Baracho - homenagem em Massangana pelo Vereador Julio César
Lembra que seu pai falava muito do Coronel José Ribeiro Dantas Sobrinho - o Zumba do Timbó – dono do engenho Timbó. Dizia que ele era o chefe dos cativeiros e seu administrador ou feitor, era um primo de seu pai chamado Antonio Pinto. Era esse feitor quem cumpria as ordens de Zumba para judiar com os negros cativos.
Habitualmente mandavam prender os negros no tronco – diziam que era em um pé de tamarindo – em frente a casa grande. Ali os negros ficavam presos e eram açoitados com chicote de couro cru. Quando terminava a tortura os negros eram molhados com água e sal para ajudar a sarar os ferimentos.
Quando os negros se deslocavam para o canavial eram acorrentados pela perna com um molho de ferro e a cada tarefa, colocavam aquela corrente na cabeça e se locomoviam para fazer uma nova “limpa” de mais 15 braças de terra.
Contam que a meia noite, quando principiava o dia de São Sebastião o feitor Antonio Pinto mandou os negros do engenho Timbó irem à bagaceira encarrilhar os bois para fazerem o transporte da cana até o engenho. Naquela noite aconteceu um fato curioso e assustador. O boi chamado “Pensamento” não obedeceu ao apelo do seu condutor Mané Corujinha. Dizem que quando Mané Corujinha chamava o boi: “Pensamento, levanta para trabalhar, e, ele, bem tranqüilo falou: hoje não trabalho pois é dia de São Sebastião. O cativo repetiu aquela conversa por três vezes e todas recebiam a mesma resposta. Desesperado foi até a casa do Antonio Pinto e contou-lhe o acontecido. Não acreditando no negro, ele foi à bagaceira para verificar a veracidade daquele fato tão estranho e inacreditável. Para desespero do Mané Corujinha o feitor saiu de rebenque (chicote) na mão porque se não fosse verdade e o boi não falasse o coitado ia pro tronco.
O boi repetiu a mesma resposta e ao amanhecer o capataz do engenho foi à casa grande e chamou o Major Zumba para relatar o fato. Ao chegarem à bagaceira, o boi tornou a dizer que não trabalhava porque era dia de São Sebastião, então, o major soltou os animais e, a partir daquele dia, nunca mais eles trabalharam em dia santo.
Muitas histórias e causos são contados a respeito do engenho Timbo, de Zumba e sua terrível mulher Antonia Balbina Viana, que prendia as escravas no portal da casa e chamava para que lá ficassem pedaços da orelha.
A infância do Poeta José Severino, o Zé Baracho, foi na roça, cavando e limpando lerão. A vida deles era trabalhar alugado. Nos anos 1940, durante a II Grande Guerra, a borracha produzida no Amazonas ficou escassa e abriram um decreto em que o governo autorizava a extração do leite da Mangabeira para a produção da borracha. Muitas pessoas passavam o dia nos tabuleiros fazendo a coleta. No final do dia recolhiam as latas e iniciavam o processo para endurecimento do leite. Colocavam-no em uma lata, dissolviam pedra úmida e misturavam ao leite que instantaneamente ficava talhado. Logo estava sólido e pronto para comercializar.
A borracha extraída era comercializada com o Major Onofre Soares, do engenho Cruzeiro. Havia um armazém próximo ao Mercado Público. A produção se deu mais intensamente com a chegada dos americanos em Natal. O quilo era vendido por três mil réis. Foi um tempo bom porque eles produziam em torno de trinta quilos de borracha.
Naquele tempo com três mil réis comprava-se arroz, farinha, rapadura, açúcar bruto, peixe. A comercialização do peixe era uma fartura. Comprava-se por pedaço e não por quilo como feito atualmente e, ainda, havia uma variedade de espécies de primeira linha.
O poeta não guarda boas lembranças do tempo de escola. Ele não tinha muito gosto pelos estudos, uma vez que a vida era somente trabalhar alugado e, quando na comunidade, vendia jogo de bicho, sabia escrever, dezenas, centenas e milhares. Certo dia a professora Dona Ritinha, Juventina Gomes de Souza, fez uma conta e mandou que resolvesse, ele tentou de todas as maneiras, mas não conseguiu efetuar a operação. Quando a professora descobriu que não resolvia a conta deu-lhe uma tremenda pancada no pescoço com uma régua de madeira que o bardo rebentou-se no chão. A partir daquele dia nunca mais voltou aos bancos escolares. Do tempo de escola aprendeu a assinar o nome e diz que provavelmente se tivesse aprendido a ler e escrever sua vida teria sido diferente, mas se conforma quando diz que: Quem nasce pra ter, tem. Quem nasce pra não ter, não tem.
Tabuão era uma pequena comunidade com casas humildes espalhadas pelo vale e produzia tijolos em muita quantidade. A produção era transportada por trem para Natal. No tempo da guerra, com a chegada dos americanos, venderam muito tijolo que ia para Parnamirim e de lá mandavam para os Estados Unidos.
Além de tijolos havia a produção artesanal de panelas de barro, alguidares e até “pinico” para o asseio das mulheres. Nesse tempo a comunidade também fabricava produtos oriundos da palha de carnaúba, como chapéu e principalmente esteiras que eram comercializadas em Ceará-Mirim e exportadas para o sertão.
José Baracho passou sua vida trabalhando no ubérrimo vale de Ceará-Mirim prestando serviço nas fazendas da região. Na década de 1940 prestou também serviço ao governo durante a Campanha de Erradicação da Malária. Ele diz que na época morreram muitas pessoas acometidas da doença, a epidemia era tão grande que enterravam seus mortos em valas.

Zé Baracho e Gibson - Forum Social Nordestino - Recife 2004 - o mestre cantando o hino de Olinda/PE


O mestre teve seus primeiros contatos com a cultura popular quando ainda era criança e assistia as apresentações dos diversos grupos de congada que existiam na região. Um dia foi convidado pelo mestre Sebastião João da Rocha – o Tião Oleiro – para dançar na ponta do cordão como marujo. A partir daí nunca mais parou e lembra que durante os setenta anos que brincou no congo dançou em todas as categorias e a mais importante foi o posto de embaixador cuja função equivale a de contra-mestre. Atualmente não brinca mais porque está debilitado e seu velho coração não consegue acompanhar suas atividades.
Infelizmente estamos perdendo mais uma batalha para o tempo e o futuro do Congo de Guerra está cada vez mais comprometido, pois, não há interesse da comunidade em preservar esta manifestação popular. O mestre Tião está com 96 anos e é eminente seu cansaço apesar de sua insistência em manter o brinquedo vivo. É necessário tomarmos alguma atitude para criarmos meios que possam ajudar a valorização e preservação do folguedo.
Mestre Baracho sempre foi envolvido pela cultura popular. Na infância conviveu com seu avô que possuía uma grande sabedoria e ensinou-lhe algumas orações e receitas baseada na medicina do mato. Uma velha rezadeira passou-lhe seus conhecimentos que somente são usados quando há uma grande necessidade.
A poesia entrou em sua vida quando conheceu o cantador de viola e passou a acompanhá-lo em algumas apresentações de côco de roda, que o ajudaram a desenvolver suas habilidades de improvisação.
Recentemente quando o entrevistei gravamos alguns poemas e romances. É impressionante como um homem do povo, analfabeto, pode transmitir tanta sabedoria, pois ele apresentou, através da cantoria, romances medievais, como Carlos Magnos e os doze pares da França, A donzela Teodora, a história de Dom Jorge e alguns poemas conhecidos como a história do Pavão Misterioso e a famosa, um tostão de chuva.
Fiquei muito triste quando recebi a notícia de que meu estimado amigo estava muito doente e convalescia numa agonia ferrenha. Sábado 10/06, fui visita-lo em companhia de Mestre Birico dos Cabocolinhos de Ceará-Mirim. Ao chegarmos na comunidade de Tabuão o Mestre Tião me aguardava e conversamos a respeito de nosso dileto companheiro. Preocupou-me bastante o sentimento de Seu Tião ele estava muito triste e seu sofrimento pela saúde do amigo era visível.
Felizmente o Bardo Menestrel está muito bem cuidado por seus familiares. Suas filhas, filhos e esposa não o deixam sozinho em nenhum momento. O carinho de seus entes queridos provavelmente darão forças para resistir a mais essa batalha contra o tempo. Mesmo que o mestre não retorne de sua agonia fica o ensinamento que ele nos proporcionou. Eu aprendi muito com ele. Sua sabedoria ajudou-me a valorizar nossas manifestações populares e a compreender que é partindo do simples que conquistaremos o complexo.
É preciso sermos fortes para podermos enfrentar as dificuldades que a vida nos proporciona e lapidarmos as arestas irregulares de nossos aprendizados para garantimos um futuro digno de exemplos para nossos descendentes.

2 comentários:

  1. BOA NOITE, MEU AMIGO!

    È COM GRANDE PRAZER QUE INFORMO A VC QUE SOU O ACESSO 20.000 E IREI PEGAR O LIVRO COM VC.
    NÃO ESTOU PUDENDO ENVIAR POR EMAIL, ESTOU COM PROBLEMAS, MAS COPIEI A PAGINA NA TECLA PRINTSCREEN E SALVEI NO COMPUTADOR. ENTÃO SE QLGUEM APARECER E DISSER QUE É O ACESSO 20.000 NÃO ACREDITE.

    BREVE IMPRIMO A FOLHA DO SEU BLOG COM OS 20.000 ACESSOS.
    OBRIGADO!

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  2. ESTAR DE PARABENS, A REPORTAGEM SOBRE O SENHOR ZÉ BARACHO, TENHO O PRIVILÉGIO DE CONHECÊ-LO POIS MORRO EM MASSANGANA, E ADMIRO AQUELES QUE CULTIVAM A CULTURA DO LUGAR ONDE MORAM, QUE PENA QUE A HISTÓRIA DE CEARÁ-MIRIM ESTAR SENDO DESTRUÍDA ENCONTRAMOS POUCOS MONUMENTOS QUE NOS LEMBRE A NOSSA HISTÓRIA, EU ESTOU DETERMINADO A DESCOBRIR A ORIGEM DO LUGAR ONDE MORO. PARABENS PELO SEU TRABALHO SOU UM ADMIRADOR SEU.

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