sexta-feira, 4 de março de 2011

PERFIL DE UMA CIDADE

Nilo Pereira - varanda da Casa Grande do Engenho Guaporé
PERFIL DE UMA CIDADE
Texto do livro “Lembrança de Edgar Barbosa” de Nilo Pereira – 1978

Há cidades que dão “taquicardia sentimental”, diz mestre Cascudo. O coração pulsa diante delas como se fosse diante de antiga namorada. Sonho e realidade ao mesmo tempo.
Essa pulsação é a medida do passado. Dessa coisa imponderável que se chama passado, algo que ficou dentro de cada um, o mistério do tempo, um cântico de solidão e de amor.
A grande autonomia do Ceará-Mirim seria conter-se dentro de si mesma, vivendo o seu passado senhorial, as suas tradições patriarcais, o passado ilustre que se diria todo ele simbolizado na figura do Barão do Ceará-Mirim Manoel Varella do Nascimento, um tanto presente na sua distância infinita nas próprias decisões da cidade e na própria vontade do povo.
Aos vinte anos Edgar Barbosa escrevia a seguinte crônica digna do melhor paisagista ou impressionista que o Rio Grande do Norte tivesse para exaltar as belezas daquelas fecundidades sempre virgens:
“Quando te encontro, assim minúscula e humilde, escondida nos escaninhos da minha memória, minha querida cidade morta, pareces-me uma paisagem que a morte levou, lentamente, suavemente, entre um crepúsculo e uma noite, para o nunca mais”.

Porém, quando te vejo toda linda, toda verde em meus olhos doidos por ti olharem, és para mim quase menina, merecedora de uma rósea boneca de celulóide...
E não me desilude o teu colorido antigo; não me aborrece a tua monotonia; não me cansam os teus raios de sol, nem as tuas manhãs douradas, nem as tuas mesmas árvores, nem as tuas mesmas casas.
Esse teu cheiro bom de terra moça e virgem ainda não se dilui em meu olfato; esse teu perfume ainda esparso pelas madrugadas, pelas tardes de aves inquietas e felizes, pelo teu forte sol de meio-dia. Minha cidade, minha pobre cidade.
Existem em todos os meus sentidos, palpitas em todas as minhas emoções... Vejo-te sempre com o teu longo vestido verde, com as torres altas de tua igreja; vejo-te ainda em minha lembrança e no meu sonho...
Deixa que os outros digam que tu morres. Deixa que te julguem uma cidade túmulo, uma cidade deserta. Não deixaste de ser ainda para mim a cidade ilusão...
É pela esperança que me trazes, pela saudade que me deixas, pelo carinho que me concedes, minha triste cidade morta, e por todas as coisas que me ofertas em tua ternura e em tua beleza, que eu fecho os olhos às tuas ruínas e sofro contigo em teu desgosto...
Não chores porque os teus muros grisalhos te sepultam, não maldigas esse teu silêncio suave; e continua em tua volúpia de ser triste, ironicamente triste, com o teu largo vestido verde e os teus risonhos poentes, minha cidade ilusão, minha cidade viva, minha querida cidade morta...”

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