segunda-feira, 11 de maio de 2020

A VEZ DA BARONESA DE CEARÁ-MIRIM


Texto copiado do face da ACLA Pedro Simões Neto

A VEZ DA BARONESA DE CEARÁ-MIRIM
André Felipe Pignataro Furtado de Mendonça e Menezes
Presidente da ACLA


Com a morte do Barão de Ceará-Mirim (Manoel Varella do Nascimento), em 01.03.1881, era chegada a vez de sua esposa, Bernarda Varella, a Baronesa, assumir, aos 59 anos, os negócios da família e o protagonismo da elite aristocrática de Ceará-Mirim. Tal situação, diga-se de passagem, era de raríssima exceção no modelo de sociedade patriarcal vigente. Tanto é, que no famoso Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, de Eduardo Von Laemmert, pouco se vê mulheres como proprietárias de engenhos ou fazendas. Ao que tudo indica, a Baronesa era uma mulher de forte personalidade e muito respeitada, daí porque não se pode afirmar que sua posição, como chefe da família Varella, foi, simplesmente, por carregar o título nobiliárquico do seu falecido marido.

Seu nome de batismo é Bernarda Dantas da Silveira, mesmo nome de sua avó materna e, também, de uma tia. Nasceu em 17.06.1821, provavelmente no reduto de seu pai, Capela, em Ceará-Mirim, mas que, à época, tinha em Extremoz a sede municipal. Os pais da Baronesa foram Francisco Teixeira de Araújo, filho do português José Teixeira da Silva e de Teresa Duarte de Jesus, e Isabel Duarte Xavier, filha de Francisco Xavier de Sousa Jr. e de Bernarda Dantas da Silveira – mesmo nome da neta.

Sua ascendência, de acordo com o manuscrito de Manoel Maurício Correia de Sousa, primo da Baronesa, datado de 08.08.1840, cuja transcrição está publicada na Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, edição nº 96 (2018), de que tive o privilégio de ser coautor, ao lado do respeitado genealogista João Felipe da Trindade, vai até os Santos Mártires de Uruaçu.

Também eram primos da Baronesa dois dos meus tetravós, José Dantas Correia e Maria Cândida de Sousa Sobral (casados entre si). A Baronesa e seus primos são, pois, hexanetos de Estevão Machado de Miranda e heptanetos de Antônio Vilella Cid, ambos Santos Mártires, vítimas, em 03.10.1645, do morticínio ocorrido em Uruaçu.

O baronato de Bernarda Varella durou 16 anos: de julho de 1874 a julho de 1890, quando morreu. Desse período, foram 6 anos e sete meses como esposa do Barão, e, depois de viúva, foi Baronesa de fato por mais 9 anos e cinco meses. Foi de fato, e não, de direito, haja vista que o título nobre foi concedido ao seu marido, sendo que os títulos não se transmitiam para os cônjuges. Um bom exemplo disso é que no Almanak Laemmert de 1885, isto é, onze anos após a morte do Barão de Ceará-Mirim, era o nome de Manoel Varella do Nascimento, e só dele, que constava no rol dos nobres do Império.

O certo é que, seja por tradição, seja pela imponência de sua figura, aliado, ainda, a uma necessidade de Ceará-Mirim se sentir parte da nobreza, Dona Bernarda continuou ostentando o título.

Na sua trajetória, ela esteve sempre acompanhada pelos filhos mais influentes, José Félix da Silveira Varella, coronel da Guarda Nacional e proprietário do Engenho Ilha Bela, e Alexandre Varella do Nascimento (Xandu), os quais já acompanhavam o pai, no final de sua vida. O outro filho, Carlos Varella do Nascimento (Carrinho), era doente, não casou nem teve filhos. As filhas estavam muito bem casadas: Ana contraiu núpcias com o Dr. José Ignácio Fernandes Barros, juiz de direito de Ceará-Mirim, ao passo que Izabel casou-se com o Dr. Vicente Ignácio Pereira, médico, político e proprietário do exuberante Engenho Guaporé.

Pois bem. Em 15.08.1882, houve a famosa visita do bispo de Olinda a Ceará-Mirim, muito bem relatada em “Visita Episcopal do Exmo. e Revmo. Sr. D. José Pereira da Silva Barros a algumas paróquias do Rio Grande do Norte”, do Dr. Luís Carlos Lins Wanderley, primeiro médico potiguar, e que, à época, era deputado provincial, tendo acompanhado D. José a Ceará-Mirim. Não tive acesso à referida obra, mas, na parte que trata de Ceará-Mirim, socorro-me de Magdalena Antunes, cuja transcrição está no seu livro Oiteiro: Memórias de uma Sinhá-Moça (1958).

O Dr. Wanderley dá a exata medida de que tudo em Ceará-Mirim girava ao redor da família Varella. O bispo de Olinda adentrou em Ceará-Mirim na luxuosa carruagem de Xandu Varella, que era do tipo caleça (ou caleche), importada da Europa. As carruagens desse tipo eram destinadas a passeios, tinham quatro rodas e puxadas por quatro cavalos. Eram cobertas, possuíam portas e janelas e contavam com dois assentos duplos, um de frente ao outro. O cocheiro responsável por conduzir D. José, foi Antônio Gangorra, escravo de muita estima de Xandu.

Na cidade, D. José foi recepcionado pelos genros da Baronesa, o Dr. Vicente Pereira e o Dr. Fernandes Barros, cabendo a este último ser o anfitrião do bispo, no seu palacete (onde funcionou o Ginásio Santa Águeda), com direito a um grandioso banquete. O Guaporé, do Dr. Vicente Pereira, também acolheu o bispo, sendo oferecido outro banquete. Com a palavra, D. José ofereceu três brindes: o primeiro à majestade da família, representado pela Baronesa; o segundo à majestade do Estado, o Imperador; e o terceiro à majestade da Igreja, o Papa Leão XIII.

Mas a Baronesa não se ocupava apenas de solenidades pomposas. A educação era, para ela, assunto do mais elevado relevo, assim como foi para o Barão, cujo título decorreu por causa da doação de cinco contos de réis para a construção de uma escola em Ceará-Mirim. O jornal Gazeta de Notícias, do Rio de Janeiro, do dia 03.09.1887, noticiou que a Baronesa, então com 66 anos, mandou distribuir para as crianças pobres das escolas municipais da Corte, 100 exemplares da Encyclopedia Popular, de Dias da Silva Junior. Na mesma ocasião, o Barão de São Geraldo (MG) mandou distribuir 50 exemplares – a metade – da referida obra. Diante desse cenário, cabe um questionamento: quem influenciou quem? O Barão ou a Baronesa?

O intrigante disso tudo, é que apenas um filho do casal de nobres buscou se instruir, qual seja, Manoel Varella do Nascimento Junior, ao estudar na Faculdade de Direito do Recife. Por ironia do destino, morreu no quinto e último ano do curso, sem voltar à Ceará-Mirim como doutor. Os outros filhos, como assevera Câmara Cascudo, “(...) foram senhores de engenhos. Nenhum funcionário público. Nenhum emigrou”.

E, aos poucos, a Baronesa foi conseguindo suprir a lacuna da liderança, deixada com a morte do Barão, passando a ser, ela, com o poder da sua nobreza, a nova referência de Ceará-Mirim.

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