AO AMIGO QUE PARTIU...
“A memória poderá ser conservação ou elaboração do passado, mesmo porque o seu lugar na vida do homem acha-se a meio caminho entre o instinto, que se repete sempre, e a inteligência que é capaz de inovar. A lembrança é a história da pessoa e seu mundo, enquanto vivenciada” Eclea Bosi
Era necessário falar, dizer o que sinto com a perda do grande representante da arte cearamirinense, o meu amigo Etevaldo.
Nossa amizade se iniciou quando de sua chegada em Ceará-Mirim, ele, muito amigo de meu pai, e, eu, amigo dos meninos, morávamos vizinhos, e, eles, principalmente Naldo, apreciava minhas coleções de pedras semi-preciosas, ametistas, citrino, etc. Crescemos juntos.
Meu pai era admirador e companheiro de Etevaldo, dividia com a família a vida difícil como fotógrafo e ceramista amador.
A vida é muito curta e se esvai como poeira ao vento, hoje “é” e, amanhã, já foi, acabou. Assim é a vida e só percebemos a sua velocidade quando passa. Na maioria das vezes, nem percebemos as pessoas maravilhosas que nos rodeiam, a importância que elas têm e deixamos de estar mais presentes, juntos, de escutar sua história, seus ensinamentos... como somos tolos!!!
Etevaldo Cruz Santiago, de origem humilde, percebeu seu talento ainda criança, utilizando o barro torrado da estrada ou, pegava pedaço de madeira e fazia seus próprios brinquedos. Com o tempo seu dom e desejo de criar se aprimorou, tornando-o o grande escultor que conhecemos. (conhecemos???).
Nasceu a 14 de janeiro de 1939, na cidade de Açu no Rio Grande do Norte, tendo se radicado em Ceará-Mirim, em 1968.
Profissionalmente começou a trabalhar com artesanato em 1969, quando foi incentivado por um cunhado, o escultor Luiz Januário. Desde então começou a trabalhar com mais dedicação e técnica.
Inicialmente perdeu muitas peças, porém, com muito esforço, força de vontade e coragem, conseguiu aprimorar sua técnica, descobriu novos formas de cozimento do barro criando um estilo próprio, reconhecido nacional e internacionalmente.
Nacionalmente seu trabalho foi reconhecido a partir de uma reportagem feita por Aléxis Gurgel em 1972. O mesmo conheceu Etevaldo quando procurava uma foto e ao ver as peças de argila, ficou deslumbrado com aquele trabalho tão natural, tão simples, porém, de uma aura tão vislumbrante.
Anos mais tarde conheceu o Almirante Osório, comandante da Base Naval, quando o presenteou com uma peça, daí, conseguiu, com um outro almirante, Newton Braga de Farias, um atelier na própria base naval. A partir de então os pedidos não pararam de surgir.
Para buscar inspiração, o escultor passava longas horas observando e conversando com pescadores e agricultores, para posteriormente servirem de modelos para suas obras.
Sua primeira exposição foi em 1970 na Praça da República, em São Paulo/SP. Desde então não parou mais. Em 1971, expôs no Clube de Oficiais da Marinha, em Natal/RN. Em 1972, na Galeria de Arte da Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Natal. Em 1975, expôs suas obras no Clube Naval de Brasília/DF. Foi premiado várias vezes em Feiras de Artesanato por todo o Brasil.
Os trabalhos que mais se destacaram estão no Museu da Cultura em Brasília/DF, Museu Popular em Recife/PE, Acervo da Confederação Nacional da Indústria – CNI – Brasília/DF., no Vaticano, Casa Branca - Estados Unidos, Estátua Beijo dos Namorados – Bosque dos Namorados – Natal/RN, Estátua de Iemanjá – Praia do Meio – Natal/RN, Estátua de Miguel Carrilho – Praia do Meio – Natal/RN, Mural e Estátua de Escravo – Ferreiro Torto – Macaiba/RN, dentre outros e em Ceará-Mirim o Painel na Praça Edgar Varela, O Cortador de Cana na entrada da cidade, O Frei Damião no Largo da Matriz, os busto de Ubaldo Bezerra, Edgar Varela, e seu último trabalho foi Frei Damião no Largo da Matriz de João Câmara. Finalmente para fechar essa pequena, mais expressiva lista de obras, a “Rendeira”, sua obra mais característica, que ganhei como presente de casamento e ficará comigo até que a “morte nos separe”, “minha ou dela”!!!
Recado de Newton Navarro para Etevaldo: “Etewaldo molda no barro o sentimento puro que lhe advém da vivência e emoções colhidas no seu dia-a-dia de homem simples. Um artista do povo, dando um recado de arte, onde as formas que consegue modelar são como expressões mais vivas de como gostaria de dizer o que sente, o que imagina, o que sonha. Sua mensagem nasce com a argila, de onde foi o próprio homem feito à imagem e semelhança de Deus” Natal, abril de 1973.
Mensagem de Augusto Severo Neto: “ Nordestino de quatro costados, com um jeito de índio e de caboclo, Etewaldo é inegavelmente, o mestre da arte ceramística do Rio Grande do Norte. Nascido em Açu, terra de poetas improvisadores, Etewaldo improvisa no barro bruto, uma poesia primitiva de expressão e de forma.
Menino pobre, fazia ele próprio os seus cavalinhos e os seus bonecos de cerâmica, para brincar com colegas tão pobres quanto ele. Das suas mãos, ainda inexperientes, brotavam cantadores, cangaceiros, retirantes, rendeiras, lavadeiras, carros-de-boi, vaqueiros e toda uma gama de figuras típicas do seu nordeste difícil e comburido. No menino, o artista ia tomando força e forma. Com o passar do tempo, Etewaldo foi crescendo na sua arte e se enriquecendo na inspiração, garimpada na vivência e apreciação/observação curiosa dos tipos que compunham o seu “entourage”. Amadureceu no sofrimento das secas e enchentes e transformou em mensagem sólida a inclemência de sua terra de paradoxos.
Um dia Etevaldo foi “descoberto” e sua arte buscada pelos que compreendiam a mensagem de suas figuras e até por quem, não compreendendo, descobria nelas a beleza e a autenticidade de forma.
Numa coerência mesológica e fiel à gleba-mãe, Etewaldo contiua retratando no barro as figuras que fazem o seu mundo. Essas figuras, atravessando muitas águas, já viajaram até portos de além-mar.
Agora, completando o trio de artistas nordestinos, ou, para melhor dizer, norte-riograndenses, Etewaldo se apresenta no Clube Naval de Brasília. E, como os outros, ele também será capaz de promover a festa dos olhos dos que forem vê-lo.”
Iniciamos o texto com Ecléa Bosi e fecharemos também com ela: “A velhice é a fonte de onde jorra a essência de cultura, ponto onde o passado se conserva e o presente se prepara, pois, como escrevera Benjamim, só perde o sentido aquilo que no presente não é percebido como visado no passado. O que foi não é uma coisa revista pelo nosso olhar, nem é uma idéia inspecionada por nosso espírito – é alargamento das fronteiras do presente, lembranças de promessas não cumpridas”.
Etevaldo ganhou todos os prêmios que concorreu, agora, lá onde estiver, estará, também, torcendo com outros artistas que já foram como Mestre Vitalino, Fabião das Queimadas, Newton Navarro, por uma CULTURA de responsabilidade, de amor às raízes e, principalmente, de atitude, força, por uma arte visível, apreciada e respeitada.
Na última quinta-feira, 22/09/2011, a ACLA reuniu-se em assembléa extraordinária e ratificou os nomes de Ruy Antunes Pereira, Roberto Pereira Varela e Etevaldo Cruz Santiago como novos patronos da Academia.
Veleu Mestre!!!!
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