Sábado, 17 de abril de 2010. Recebi um telefonema do Mestre do Boi de Reis de Matas, Luiz Chico, fazendo uma convocação para que eu fosse até a comunidade a fim de participar de encontro com o pessoal do ponto e cultura Boi Vivo.
O dia estava chuvoso, ameaçava cair um temporal. As nuvens concentravam-se sobre a cidade, mas não chovia. Era um dia triste. Eu gosto de chuva, porém, acho um dia melancólico e frio.
Assim, convidei um amigo, o Lelo, neto do saudoso Patativa do Vale, Cirineu Campos, para me acompanhar até Matas e fomos devagar, observando cada pedacinho de chão. O amigo acompanhante falava sobre o cultivo e técnica de Bonsai - que ele domina muito bem - indicando algumas árvores que ficariam legais como a miniatura japonesa: a cajazeira, o espinheiro, entre outras.
Não podia deixar de relatar a tristeza em ver tantas ruínas de velhos engenhos pelo caminho: Carnaúbal, Guaporé, Diamante, Jericó, Capela, Santa Rita, Esperança, Pedregulho, felizmente nossa alma foi contemplada com a Fazenda Nascença, ainda preservada pela família do saudoso amigo Roberto Varela.
Parecia vê-lo naquele alpendre do casarão aristocrático, onde tantas vezes conversávamos sobre Ceará-Mirim e suas histórias. Víamos velhas fotografias e, o nobre fidalgo, ia relatando cada fragmento histórico. Era como se a máquina do tempo fosse entrando em minha mente abrindo um horizonte e, retalhos imagéticos passassem como um filme que tentava entendê-lo...
A memória instantânea parecia fazer o carro parar, era como se aquele momento fosse real e ele nos esperasse para a conversa de sempre. Não queria acreditar que tudo não passasse de pensamentos e desejos, no entanto, gostaria que fosse real. Tantas coisas tinha para aprender, pois o maior desejo do saudoso amigo, era poder contribuir para uma Ceará-Mirim grande, em que seus filhos não precisassem expatriarem-se a fim de ganhar a vida. Felizmente ficou a saudade e, com ela, posso lembrar dos bons e proveitosos momentos que passamos no velho e senhorial alpendre da Casa Grande do Engenho Nascença.
Chegamos a Matas e encontramos o Mestre Luiz em sua residência. Ele como sempre, nos recebeu amigavelmente dizendo que o dia estava mais alegre e mais bonito e isso se devia a minha visita. Essas palavras, vindo do grande sábio, me enchem de orgulho e não tenho como agradecer. Apenas fico feliz por tê-lo como um Pai, um irmão, um amigo, um ser especial que entrou na minha vida, assim como o Mestre Tião, Mestre Zé Baracho, Mestra Maria do Carmo, Mestre Birico, Mestre Manoel Rodrigues e tantos outros importantes guias de um crescimento intelectual em que aprendi a respeitar e valorizar os saberes que só pessoas iluminadas podem ensinar com humildade e sabedoria.
Quando fazíamos o caminho de volta meu amigo Lelo convidou para que entrássemos no velho Museu Nilo Pereira, antiga casa grande do Engenho Guaporé. À medida que nos aproximávamos do avelhantado casarão percebia o quanto está deteriorado. A visão que temos é de uma ruína abandonada, sem história e sem nenhuma importância.
Casa Grande do Engenho Guaporé
Junto à falência do Museu Nilo Pereira foram enterrados o passado e a glória de toda uma geração de famílias que ajudaram no desenvolvimento de Ceará-Mirim, como os Pereira e Varella. Não é possível compreender como a memória de uma cidade pode ser esquecida e abandonada às traças, aos morcegos, transformando-se em pontos de drogas e local de exercício de magia negra. Seus mortos devem estar desesperados pelo acúmulo e tanta energia negativa. Penso que um dia seremos cobrados pela magnitude do desprezo e desrespeito aos nossos patrimônios históricos e culturais.
É importante publicar textos de Nilo Pereira falando sobre o Guaporé. Assim, poderemos lembrar no velho casarão e de sua importância para a preservação da memória de nossa cidade. O texto abaixo é parte do que foi publicado em março de 1979 no livrinho lançado pela restauração da casa grande: O GUAPORÉ RESTAURADO, escrito pelo neto daquela casa, Nilo Pereira:
“Certa vez, revendo o Guaporé mergulhado na sua lenta agonia, alguém me pergunta quem eu sou, que desejava eu com tanta curiosidade por um velho solar abandonado.
Porque me detinha diante da sua fachada, examinando-a, notando que algo faltava à velha casa - os galgos de louça à entrada, o repuxo d’água, as estátuas lá em cima, simbolizando o Trabalho, a Agricultura, o Comércio e a Indústria, os lampiões de cada lado, o jardim, e na porta quase desfeita um pequeno botão que fazia tocar uma campainha.
Respondi, então, que era apenas um neto desta casa. Hoje quando a vejo restaurada, rediviva, não é outra coisa que digo: Sou neto desta casa.
(...) Lutei por esta Casa, todos o sabem, para que ela não sucumbisse. Era uma luta sentimental, decerto. Mas havia nisso também a defesa de um patrimônio histórico que podia desaparecer. Se o Guaporé morresse, se aqui agora fosse um pedaço de chão raso, ou uma construção qualquer, sem significação, ter-se-ia fechado brutalmente uma página da história do Rio Grande do Norte (...).
O Guaporé mergulhava indefeso na sua quietude de morte. A fachada resistia ao tempo. De longe dava a impressão de que a casa se mantinha na tempestade que a envolvia; mas, de perto, a desolação escrevia o capítulo extremo de um drama que chagava ao terceiro ato.”
Em setembro de 2009 o presidente da Fundação José Augusto, Crispiniano Neto, me informou que existia um recurso para a restauração do casarão e que tinha sido uma decisão da JUSTIÇA. Não compreendo como já se passaram sete meses e nada foi feito a respeito.
Os vândalos permanecem freqüentando a velha casa e não é tomada nenhuma providência. Será que os vereadores não poderiam solicitar informação da Fundação José Augusto e da Prefeitura sobre essa questão???.
Casa banho do Engenho Guaporé
Parece que só uma movimentação popular é capaz de salvá-lo do total desmoronamento. Infelizmente nossos jovens estudantes não conhecem a história de nossa província, por isso, não temos como provocá-los para um apelo público em prol do casarão do Guaporé. Não conseguimos ferir o brio provinciano, inerentes naqueles que amam essa terra – que sobrevivem pressionados pela invasão alienígena e globalização cultural importada de outros centros.
No velho solar, construído por Vicente Inácio Pereira, no final do século XIX, há muito mais do tijolos e arquitetura. Há a alma de uma geração primitiva; há a memória de toda uma época aristocrática, responsável pela construção de nossa cidade. Devemos nos mobilizar para salvá-lo do abandono e, como filhos dessa terra, temos obrigação de respeitar e preservar os patrimônios que ainda resistem as vicissitudes do tempo e a falta de reconhecimento. Preservando nossas riquezas culturais, resguardaremos a memória de nossa gente e de nossa terra. AVANTE, AVANTE CEARAMIRINENSES pelo bem das futuras gerações.
Para ver a que ponto chegou a falta de respeito e cuidado com nosso patrimônio: encontrei esse vídeo no youtube:
http://www.youtube.com/watch?v=lE5lMb7DvNc
Acessem!!! : . (
Gibson - Parabéns pelo Blog. Cada vez melhor!O texto de meu pai (Nilo Pereira), evocando o Guaporé e lembrando figuras que por lá pontificaram, veio a calhar, porque republicado, justamente, quando o velho solar entra, outra vez, em agonia. Agônico fim, então, patrocinado pela gente insensível da cultura governamental. Os Pereiras e os Varelas desprezados assim, na finitude decretada pelo vazio do poder.
ResponderExcluirGeraldo Pereira
Meu amigo e irmão Gibson, o seu blog está ótimo! Parabens por resgatar a cultura e a memória de uma cidade pouco conhecida e que esconde uma beleza imensa do passado.
ResponderExcluirGostaria que voce falasse um pouco sobre as estórias da infância como a mula sem cabeça, a perna cabeluda, a mulher que comia fígado de crianças(papa-figo), a caipora, a tumba de um senhor ou senhora de engenho que quando morreu virou serpente, a senhora que pregava a orelha da escrava na parede e depois a chamava e muitas outras.
Um abraço! Jádson Junior
19 de abril de 2010
Ví o Vídeo e realmente é absurdo a forma como algumas pessoas encanram a história e o patrimônio de nossa cidade. Este rapaz no mínimo é Cearámirinense, fato que Lamento muito, pois termos em nossa cidade pessoas de pensamento e criticidade tão medílcre e ignorante é muito triste. Penso ser importante repudiarmos este tipo de atitude que acima de tudo é VANDALISMO. Bjus Gibson.
ResponderExcluirRecentemente estive visitando o Engenho Guaporé, ou melhor escrevendo as ruinas e fiquei muito triste pelo cenário que vi.É triste saber que a população, os estudantes desconheçam tal situação. Não morro de amores pelo estado do RN, mas reconheço o grande descaso e a história desse Engenho se acabando em ruínas. MGPP
ResponderExcluirExcelente texto. Mas gostaria de saber se o Mestre Luiz Chico ainda vive e se ainda comanda o Boi de Reis de Matas. É que estou pesquisando sobre Boi de Reis no RN e gostaria se possível saber dessa informação. Um avraço
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