Pintura do Mestre Tião Oleiro na galeria da Fundação Roberto Marinho no Rio de Janeiro - Junto a foto a coordenadora do Canal Futura para o Nordeste Ana Amélia.
Sábado, 28 de agosto de 2010, fui convidado pelo amigo Elton Marques para participar de seu programa semanal, “Conversando com o povo”.
A pauta da entrevista foi o patrimônio histórico e cultural de Ceará-Mirim. O tema é muito abrangente e não tivemos tempo de discorrer sobre tudo quanto desejávamos.
Iniciamos a entrevista falando da atual situação do Museu Nilo Pereira, que todos de Ceará-Mirim já conhecem, pois, recentemente foi pauta na programação de televisão no estado. Durante a conversa sugeri que nossos representantes políticos se juntassem e recomendassem aos seus candidatos que registrassem uma carta de compromisso prometendo entregar o museu restaurado à municipalidade e, também, construir a casa de cultura, sonho de todos os artistas de Ceará-Mirim.
Em todo o estado do Rio Grande do Norte há Casas de Cultura em várias cidades e, Ceará-Mirim, com o potencial histórico, cultural e turístico tão rico, sempre ficou em segundo plano quando trata-se de beneficiar sua população, como diz o poeta Ivanildo Vila Nova: entra ano e sai ano e nossa cidade continua ao Deus dará...”.
Nossos patrimônios materiais e imateriais estão se extinguindo numa velocidade impressionante. É fácil verificar esses acontecimentos, basta visitar nosso vale e retornar alguns meses depois, então, confirmaremos as ocorrências, citando como referências, engenho Divisão, engenho Trigueiro, engenho União, usina Santa Tereza, engenho São Leopoldo, engenho Timbó, engenho Santa Rita, usina Guanabara, usina Ilha Bela e tantos outros que desapareceram abocanhados pela voracidade da “cana de açúcar”.
Com relação à sabedoria dos mestres de cultura popular, não precisa visita-los, é necessário somente vê-los se encantando paulatinamente, como foi o caso de tantos que por aqui passaram: Etevaldo Santiago, José Gago, Raimundinho, Seu Déo, Isabel Poti, Mané Rabequinha, José Luiz, Alzira Sá, Belchior, Amarildo, Mizael e tantos outros, que se fosse elencá-los, ficaria muito cansativo, basta representá-los pelos que aqui estão.
Atualmente todos os grupos folclóricos estão em total desamparo, pois, resistem à extinção, pela tenacidade de seus mestres, no entanto, não é suficiente para preservá-los e mantê-los atuante.
É preciso que o poder público proporcione urgentemente ações de governo para mantê-los em atividade. É importante frisar que esses folguedos não têm as mínimas condições de se manterem sozinhos e seus mestres precisam repassar seus conhecimentos às gerações mais novas.
Existe toda uma formação cultural que deveria permanecer viva nas comunidades e nas pessoas, principalmente a valorização das tradições que são passadas de geração a geração. O que verificamos é que essas reminiscências estão sendo substituídas por novos costumes através do dinamismo da própria cultura e não estamos tendo o cuidado de mantê-los juntos - o velho e o novo – de modo que nossa memória seja garantida às futuras gerações.
Fala-se muito da falta de cultura na nossa cidade e, sempre que surgem oportunidades, alguns insistem em dizer que isso é um fato rotineiro. Discordo com a afirmativa, pois, entre os anos de 2005 e 2007 foram realizadas algumas ações relacionadas as atividades culturais do município. Estou afirmando porque tudo quanto for relatado aqui têm imagens comprobatórias.
Apesar de muitos assegurarem que aquelas ações eram “cultura para elite”, no entanto, todos os eventos realizados foram em praça pública e direcionados para toda a população.
A Escola de Musica Marcia Pires atendia anualmente alunos oriundos da escola pública aprendendo teoria musical e tocar vários instrumentos e, quando havia recital, era em praça pública.
Foi criado o Coral Municipal Araraú cujas apresentações eram para o público em geral e seus componentes eram funcionários públicos e todos voluntários. Muitas vezes o coral fez ensaios concerto no palco dentro do Mercado Público.
Foi criado o projeto Olheiro das Artes cujo objetivo era proporcionar, aos alunos das escolas públicas do município, o acesso à cultura através de oficinas com artistas e artesãos dentro do Mercado Publico, todas as quintas-feiras. Esse projeto teve parceria com o Canal Futura e foi o único no Brasil que era realizado dentro de um mercado e tinha o contato direto com a população. A importância do Olheiro das Artes garantiu sua publicação no catálogo anual das ações do Canal Futura.
O Olheiro das Artes proporcionou, também, fazermos oficinas semanais com palestras, dentro do mercado, sobre o patrimônio cultural e a plateia eram alunos das escolas públicas e público em geral. Naquela oportunidade a coordenadora geral do Canal Futura, a Senhora Mariza, visitou o projeto e assistiu depoimentos de vida dos mestres Luiz Chico do Boi de reis de Matas e de Tião Oleiro do Congo de Guerra.
A visita da senhora Mariza a Ceará-Mirim inspirou a criação do projeto “Toda Beleza” realizado pela Fundação Roberto Marinho/Canal Futura e, o mesmo, foi baseado no mestre Tião. Em todo o Brasil foram selecionados 16 mestres de cultura popular para participar do documentário, entre eles, está o nosso mestre Tião Oleiro. Esse programa é transmitido diariamente em toda a programação do Canal no mundo todo, estimando-se uma média de 25 milhões de telespectadores.
Nesse período foram realizados dois fóruns de Cultura e Arte onde os participantes foram todos os grupos de cultura popular e pessoas interessadas no tema, Na oportunidade foram homenageados o escultor Etevaldo Santiago no primeiro fórum e, mestre Tião, no segundo.
Durante o intervalo dos anos citados foram publicados diversos livros com apoio publico. Além do apoio àquelas publicações, foram editados o livro Ceará-Mirim tradição, engenho e arte, pela UFRN-SEBRAE e Prefeitura de Ceará-Mirim e, o livro Ceará-Mirim memória iconográfica.
É evidente que os projetos culturais sonhados não foram realizados plenamente porque não havia políticas públicas direcionadas para a cultura e, também, os recursos não eram destinados ao órgão responsável pela cultura. As ações, por pequenas que tenham sido, foram conseguidas com muito esforço e, refletiram positivamente naqueles aos quais foram direcionadas, basta perguntar aos alunos da Escola de Música Marcia Pires, aos músicos da Banda de Musica Tenente Djalma, aos artistas, aos artesãos, aos componentes do coral, aos alunos e professores das escolas publicas que participaram dos projetos, a “todos” os grupos de cultura popular...
Todos os projetos que o mestre Tião e o Congo de Guerra participaram foram muito significativos para a divulgação dessa tradição em todo território nacional. Em 2004 apresentamos o trabalho de pesquisa, através do Mova Brasil, no Forum Social Nordestino em Recife. Em 2009 o mestre Tião e o grupo Cabocolinhos foram classificados como Patrimônios Vivos do Rio Grande do Norte. Em 2010 o mestre Tião foi classificado no projeto Culturas Populares 2009, realizado pelo Ministério da Cultura. Ele concorreu com 3000 candidatos em todo o país. São ações dessa natureza que nos confortam e, estimulam a continuar plantando as sementes... um dia abrolharão!!!
Todos conhecem minha luta pela memória de nossa cidade e, poucos, têm a consciência da importância de nossas pesquisas para o futuro de nossos conterrâneos. O tempo será a testemunha invisível das lutas incansáveis, e evidentemente, cobrará o desamparo, o desrespeito e a desvalorização pela identidade de nossa gente.
O que ameniza o desrespeito, a desvalorização, a falta de reconhecimento são aqueles que estão ligados a tudo que estamos produzindo. São pessoas que aprenderam a amar e respeitar nossa cidade através das leituras de matérias publicadas nos jornais e no blog. São elas que ajudam a criar forças para continuar tentando... São meus alunos que diariamente solicitam histórias de nossa terra e, quando os sacio com informações, tenho certeza que os ajudei a crescer intelectualmente.
A internet diminuiu a distância e facilitou o acesso à informação e, são essas informações que ajudam as pessoas distantes de sua terra, ficarem próximas... As pessoas que desconhecem suas raízes, aprenderem sua história, e, através dela, valorizar e lutar por uma terra melhor, onde a ganância e o individualismo sejam suprimidos pela solidariedade, pelo coletivo, pela honestidade, e, sobretudo, pelo amor, assim, ensinaremos nossos filhos a respeitar e preservar nossas origens.
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