sábado, 10 de abril de 2010

CIDADE ENCANTADA

Revendo meus arquivos encontrei um texto de Edgar Barbosa publicado no jornal A República de 13 de setembro de 1936 cujo título é CIDADE ENCANTADA. Ilustrei o texto com fotografias feitas por mim quando sobrevoei a cidade em um ultraleve.
Lendo o texto me transporto ao tempo de menino revendo brincadeiras e aventuras passadas e, mesmo assim, trago para o presente as colocações do grande mestre. A relação que faço entre passado e presente é muito atual, parece que foi escrita em nossos dias... O sol das manhãs continua esplêndido, o rio, apesar de morto, continua passando e a donzela continua adormecida esperando pelo príncipe encantado...

CIDADE ENCANTADA

Sempre que desperto a memória para a evocação das coisas felizes, é Ceará-Mirim o quadro que mais nitidamente aflora a superfície do lago onde o tempo sepulta as nossas reminiscências. Tenho dela a saudade mais doce e comovida e quando desta saudade preciso falar, sou dominado irresistivelmente pelo receio de não saber dizê-la. A sua presença em minha lembrança transforma em titubeios de menino todas as vezes que se ergam do meu coração.

É que Ceará-Mirim está entre as cidades como a Obliviou de Monteiro Lobato, que só tem por elas o passado. E o passado é uma história sempre emocionante e perturbadora. No entanto, nenhuma cidade esquecida e morta sugere como Ceará-Mirim, a impressão festiva de alegria e juventude. Dentro do meu pequeno Rio Grande do Norte ainda não vi terra mais moça e que mais sorria de esperança. Para onde se voltem os olhos de quem chega, a sua paisagem se oferece, risonhamente, convidando a um momento de ternura e tranquilidade. E por isso é que Ceará-Mirim tem a fisionomia bondosa e acolhedora que mesmo de longe seduz a quantos procurem recordá-la.




Evocando a amplidão do seu vale, a verdura estonteante dos arredores, o silêncio da sua velha e majestosa igreja, a poesia das estradas que palmilhei sem cansaço nem tédio, esqueço todas as ruínas de minha pobre cidade em cujas casas o sol das manhãs esplêndidas semeia ouro e o brilho das pedras preciosas. E então me lembro que Ceará-Mirim bem pode ser no Rio Grande do Norte, aquela moça encantada dos contos da Carochinha, que dormia na floresta à espera do príncipe que a viesse acordar.


Mesmo que o não seja, essa evidência não me desanima nem me entristece. De qualquer maneira a minha pobre cidade é sempre uma esperança que aflora e consola a velhice que me há de vir. Ela dorme, sim, no seio do seu vale exuberante, qual a donzela da floresta encantada. O rio passa, cantarolando como um apaixonado trovador, as cantigas que eu nunca mais ouvi. Pelas suas margens, que percorri em meus folguedos de menino, ainda se espraia, crespa e esvoaçante, a cabeleira verde das yaras. Logo depois da ponte principia a fileira de engenhos com o seu ajuntamento de palhoças, com seu cheiro de açúcar, com os seus canaviais rumorejantes. E eu tenho tanta saudade de tudo isto, que o meu desejo mais ansioso é ir dormir com a minha pobre cidade encantada o meu último sono, tendo na retina morta, como derradeiro quadro da vida, a sombra do seu vale, do seu rio e das suas manhãs esplêndidas, cheias de ouro e do fulgor das pedras preciosas.

Um comentário:

  1. Realmente Gibson o texto parece muito atual, me traz lembranças do meu velho Paulo da Cruz, contando historias do nosso vale.com essa leitura vem tudo à tona. Ceará Mirim é isso mesmo! Um abraço do amigo leitor do blog, Rossine Cruz

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