sábado, 15 de maio de 2010

MESTRE TIÃO - 96 ANOS

VIDA VIVA E BEM VIVIDA!

Gibson Machado e Mestre Tião com sua "concertina"

Hoje é mais um dia especial! Especial porque, depois de tantas tentativas de visitar meu amigo Mestre Tião, consegui superar os tropeços diários da falta de tempo. Ontem, 14 de maio de 2010 foi mais um dia inesquecível na vida do mestre Tião Oleiro do Congo de Guerra de Tabuão. Há 96 anos nascia um caboquinho, um neguinho – como ele costuma dizer – no eito do canavial, cheirando a bagaceira e mel de engenho. São anos de experiências enveredadas por caminhos diversos, caminhos que, muitas vezes, foram tortuosos e amargos. No entanto o que torna esse relicário humano especial é sua forma de viver. Sua senectude é a prova maior de que a vida está sendo generosa, pois o que mais o faz feliz é poder contar com a presença de seus familiares e amigos. O mestre em sua plena sabedoria entende que a idade altera a forma como se sente a vida. Lembra que a mocidade, quando no frescor da vida, envolve quimeras e utopias, otimismos e uma intensidade de anseios que os mais velhos não têm… e que a passagem da juventude, à maturidade e à velhice, envolve experiências, verdades, reflexões novas, que alteram os nossos valores e a forma como vemos e sentimos a vida. Cada ano que passa é como uma fita cinematográfica cujos quadros se projetam na tela da memória e contam toda sua trajetória de vida: a lembrança do tempo de pastorador de porteira na bagaceira do Engenho Grande, as brincadeiras com os meninos do Engenho Laranjeiras de Joca Sobral. São vivencias que o ajudaram a construir uma vida repleta de experiências cujos fragmentos de memória fazem marejar os olhos sulcados pelo tempo, esse senhor passageiro que, como diz Marco Aurélio, imperador e filósofo romano, “é de uma voragem tremenda; assim que uma coisa nos é trazida à vista, logo é dela varrida, e outra toma o seu lugar, antes de também ela desaparecer. Dessa forma a vida do homem na natureza, nasce, vive e transcende e diante do mistério da vida, nos comparamos ao inexistente, que segundo Pascal, na natureza somos um nada comparado ao infinito, um tudo comparado ao nada, algo intermédio entre o nada e o tudo. Somos incapazes de ver o nada de que somos feitos, o infinito em que estamos engolidos. Minha visita à comunidade de Tabuão foi muito gratificante, pois tive a felicidade de levar comigo dois amigos muito especiais: O pintor e poeta Vilella e Mestre Joaquim, um octogenário no alto dos seus 86 anos, que nos presenteou com o inseparável companheiro de 78 anos, um surrado cavaquinho cujos acordes nos fazia sonhar junto ao mestre.

Mestre Joaquim (86 anos) e seu inseparávl cavaquinho

Ao chegar à comunidade fizemos uma surpresa ao Mestre Tião, pois o mesmo fazia muito tempo que não encontrava seu amigo e companheiro de congada Joaquim. Foi uma verdadeira festa que ficou mais emocionante quando o velho embaixador do Congo de Guerra Zé Baracho se juntou ao grupo. Fiquei um bom tempo observando a sintonia que existia entre os amigos e, nesse ínterim, cantavam, tocavam e relembravam tempos pretéritos de orgias e festas. Eu, que não fui bôbo, filmei e fotografei aquele momento inesquecível.

Mestre Zé Baracho, Mestre joaquim, Gibson Machado, Mestre Tião e familiares

Não esperava que fosse ser uma tarde de grande significado cultural. Para se ter uma idéia da importância desse dia, os mestres juntos somam 262 anos de vida e, desses, 226 anos foram dedicados a cultura popular. Mestre Tião começou a brincar congo aos oito anos, portanto, são 78 anos de folclore; o Mestre Zé Baracho tem oitenta anos e setenta de folclore; o Mestre Joaquim, tem oitenta e seis anos e 78 de folclore, portanto, esses baluartes são bastiões de nossa cultura popular e tem toda uma trajetória de vida dançando, cantando e conduzindo uma tradição popular secular, cujo fim, infelizmente, é a eminente extinção, uma vez que nossas manifestações tradicionais estão esquecidas e não temos meios para fazê-las resistirem ao abandono. Atualmente nossas manifestações populares estão tendo um tratamento secundário, talvez, a situação financeira que o país passou tenha contribuído para que nossos grupos folclóricos não tenham sido convidados para nenhum evento, sejam privados ou públicos, e, também, é incompreensível como os autênticos representantes de nossas tradições não tenham participado dos encontros de cultura realizados no município e no Estado. Penso que é necessário romper as barreiras do individualismo forrento e buscar soluções coletivas que salvem nossa história, nossa memória, nossas tradições da invasão de culturas alienígenas, introduzidas em nossas vidas através da globalização e da aculturação feroz que nos impõem as esferas superiores. Na Lei Orgânica do Município de 2006, no capítulo VII da Educação, Art. 115, § 2º diz que: As escolas de primeiro e segundo graus incluem entre as disciplinas oferecidas o estudo da Cultura norte-rio-grandense e cearamirinense, envolvendo noções básicas de literatura, artes plásticas e folclore do Estado e do Município, bem como noções básicas de agricultura, pecuária, especialmente, nas escolas da zona rural. Diante disso, é preciso refletirmos, enquanto educadores, se realmente estamos cumprindo o que a Lei orienta. Sinceramente, não acredito que isto esteja sendo feito em todas as escolas. Certamente há algumas isoladas que obedecem essa orientação. Outras, o fazem em datas comemorativas cujos trabalhos são praticamente os mesmo ano após ano. É imprescindível que os educadores da rede estadual e municipal, façam capacitações dentro da área de estudo solicitada pela Lei, para que possam ajudar nossos estudantes a conhecer sua história e, com isso, aprender a valorizar e proteger as tradições, a memória e, acima de tudo, crescer como cidadão amando sua terra, aquilatando cada pedacinho deste vale suntuoso e ubérrimo. Há a esperança de que haja uma sensibilização por parte dos gestores municipais quando sinalizam com possíveis políticas públicas culturais que, provavelmente, venham fortalecer e valorizar nossas tradições e, assim, tenhamos a certeza de que os verdadeiros representantes de nosso folclore sejam redescobertos e que tenham oportunidades de mostrarem, enquanto vivos, a potência de seus conhecimentos, porque somente eles, são capazes de repassá-los às novas gerações, por isso, é imprescindível que as ações de governo sejam implementadas urgentemente antes que nossos mestres de encantem.

O Centro Esportivo e Cultural sempre tem contribuído para que possamos realizar nossos contatos com os mestres e, também, possibilitado, na medida do possível, eventos culturais em nossa cidade. Agradecemos ao presidente da instituição Ubiratam Severo por ter nos doado o bolo do mestre Tião.

3 comentários:

  1. Lúcia Helena Pereira17 de maio de 2010 às 13:32

    Gibson:

    Seu blog é um livro que se lê, a c ada dia e não se esquece. É uma fonte inesgotável de sensibilidade.

    Parabéns pela matéria desse ilustre artista da terra- TIÃO.

    Abração.


    L.Helena

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  2. Gibson, parabéns mais uma vez pelo belíssimo trabalho que você tem realizado com o povo dessa terra maravilhosa, agradeço mais ainda pelo privilégio que me deu, juntamente com minha turma da faculdade, de conhecer o mestre Tião e sua comunidade de Tabuão, confesso que foi um dos momentos mais emocionantes de minha vida, ver aquele povo tão bonito conservando suas raízes através do Congo de Guerra com tanta satisfação e alegria.
    Grande abraço.
    Andréa Alexandre

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  3. Gibson, fico feliz em ver a sua garra em divulgar a nossa cultura e fico mais feliz ainda quando vejo parentes como é o meu tio bisavo Tião, aquem adimiro muito, abraços..

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