domingo, 29 de janeiro de 2023

ENGENHO SÃO FRANCISCO

 GALERIA HISTÓRICA

Engenho São Francisco
(De Usina São Francisco à Companhia Açucareira Vale do Ceará-Mirim)
Texto: Gerinaldo Moura da Silva
Foto: Acervo de Gibson Machado
Usina São Francisco nos anos 1960 - Administradores e colaboradores da usina.
.Ceará-Mirim é um dos poucos municípios potiguares que mais possuiu engenhos. Em sua trajetória econômica do Império para a República, tivemos São José de Mipibu, Goianinha, Arêz, Macaíba e São Gonçalo do Amarante, como os que mais destacaram na produção açucareira. São fatos e histórias bastante parecidas que vão se perdendo ou se perpetuando em cada local, conforme a importância cultural que tenham, ou ainda o sentimento de preservação de tão belo patrimônio.
O Ceará-Mirim caminha para o desaparecimento de seu patrimônio arquitetônico na zona rural bem como na cidade. São prédios em ruínas, outros descaracterizados pelas reformas feitas por seus proprietários e uma boa parte totalmente desaparecida, no que tange aos engenhos localizados no vale do Rio Ceará-Mirim.
Ceará-Mirim possuiu dezenas de engenhos e engenhocas e quatro usinas a saber: Guanabara, Ilha Bela, São Francisco e Santa Tereza. E como foi dito no poema Paisagem ceará-mirinense da poetisa Maria Xandu, nome pelo qual ficou conhecida a professora Maria da Conceição Araújo Silva, também apelidada de Maria de Auta, em referência à sua genitora, que era professora de piano, dona Auta Simas. Na época em que o escreveu, ainda restava a Usina São Francisco funcionando. Vejamos:
“...Das usinas de açúcar
Uma viva, a trabalhar
Porém as duas extintas
Deixam sombras no lugar
No marco de suas lembranças
Há muito que se guardar
Seus engenhos e mucamas
De sinhazinha a sonhar
Dos apitos das moendas
Como é doce recordar,
Celebrando o seu horário
Chama a turma a trabalhar
Lá vai ele nosso herói
Bem sutil não faz alarde
Bóia fria, pé no chão
Gramando o verde vale.
A foice é sua arma
Com ela defende o dia
Volta feliz para casa
Traz cana para a família…”
O Engenho São Francisco foi fundado pelo senhor de engenho Manoel Varela do Nascimento, na segunda metade do século XIX, cuja data de 1857 se encontra inscrita no frontão principal do famoso “Palacete do Barão”, sendo uma bela residência senhorial.
No início de sua carreira, o futuro Barão de Ceará-Mirim vivia como um pequeno plantador de cana, possuindo na época, uma engenhoca movida a bestas (animal), sendo ele um dos primeiros proprietários de engenho da região a usar moendas de ferro horizontal, acompanhando os senhores dos engenhos Carnaubal e Umburanas, por exemplo e foi o pioneiro na plantação de cana caiana em todo o vale.
Segundo o historiador Nestor dos Santos Lima, após a fundação do Engenho São Francisco, pelo Barão de Ceará-Mirim em terras que pertenciam à antiga propriedade indígena Ilha dos Cavalos, um de seus filhos, Alexandre Varela, conhecido como Xandu, modificou o engenho preparando-o para se tornar usina. Depois foi a vez do velho São Francisco receber cuidados especiais do Dr. Manoel de Gouveia Varela.
O Engenho São Francisco passou à condição de usina, tendo a capacidade para produzir até 30.000,00 de açúcar cristal e depois de alguns anos, passou a fabricar também o álcool (etanol) para veículos, programa lançado pelo Governo Federal, numa tentativa de baratear os preços dos combustíveis, sendo uma alternativa limpa para os automóveis de nosso Estado.
Cemitério e Capela da Usina São Francisco - 1998 - Gibson Machado
O Engenho São Francisco foi construído de acordo com os padrões da época, que tinha a casa-grande, o engenho (fabricação) e capela dedicada a Nossa Senhora da Conceição, mas, até hoje muitos acham que seu padroeiro é São Francisco, devido talvez ao nome dado à propriedade e assim, todas as construções juntas formam um belo conjunto arquitetônico. No entorno do pequeno templo existe um cemitério onde repousam os restos mortais do Barão e da Baronesa de Ceará-Mirim, bem como de alguns de seus descendentes.
Com a morte do seu fundador, o Engenho São Francisco ficou de herança para o senhor Carlos Varela do Nascimento e também à viúva e filhos do Dr. Manoel de Gouveia varela. Dentre os herdeiros destacou-se o empresário Luiz Lopes Varela, casado com a senhora Maria Antonieta Pereira Varela, filha da escritora Madalena Antunes e senhor Olímpio Pereira, que conduziu a administração da agora Usina São Francisco e teve como sucessor direto, o Dr. Roberto Pereira Varela.
Luiz Lopes Varela chegou a assumir o cargo de Senador da República e também administrou o Ceará-Mirim, tendo sido nomeado Prefeito de Ceará-Mirim em 1935 e seu filho Roberto Varela, além de ter sido prefeito por três mandatos, chegou à Assembleia Legislativa eleito Deputado Estadual e durante um período assumiu o Governo do Estado em substituição ao Governador Aluízio Alves.
Esses referências nos mostram que praticamente todos os administradores de Ceará-Mirim estiveram ligados à aristocracia canavieira, quer fossem oriundos de famílias possuidoras de engenhos ou de usinas, ou ligadas às mesmas, como aconteceu com alguns comerciantes abastados.
O Engenho São Francisco se localiza ao Leste da cidade de Ceará-Mirim e possui uma das melhores terras de todo o vale, sendo a propriedade cortada pelo Rio Ceará-Mirim e outros afluentes e olheiros que o tornam perene. No ano de 1911, o São Francisco e os engenhos Umburanas e Ilha Bela, já possuíam turbinas, o que chamou a atenção do Dr. Tavares de Lira, que cita em seu livro (pag.290).
Segundo o Dr. Júlio Gomes de Senna (Pag.159) em seu livro Ceará-Mirim exemplo nacional, o Engenho São Francisco passou a funcionar como Usina a partir do ano de 1930 e por essa época, o município contava com mais duas usinas: Guanabara e Ilha Bela. Nos seus últimos dias como engenho ele produziu 1500 sacos de açúcar e seu administrador era o senhor José Lopes Varela, cada saco com 60 (sessenta) quilos de açúcar estava registrado no Instituto do Açúcar e do Álcool sob o número 1353, isso, segundo Senna, nas safras de 1935/1936, devido a uma grande crise no setor açucareiro. (Senna pág. 159).
Casa Grande do engenho São Francisco - Foto: Gibson Machado - 2013
O sobrado da usina era um dos locais mais procurados pela elite local e de Natal para participarem de suas festas grandiosas, conforme cita o historiador Nestor Lima na Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, referente ao capítulo da História de Ceará-Mirim. Ele ainda diz que “...cujas festas faziam o encanto da sociedade não só do Ceará-Mirim, mas igualmente da capital, que não tinha similares...”
Quando a Usina São Francisco passou a ser administrada pelo empresário Dr. Geraldo Melo, que foi vice-governador, Governador do Rio Grande do Norte e Senador da República, a casa-grande sofreu algumas alterações internas para poder abrigar o escritório da Usina. Segundo a arquiteta Jeanne Nesi “... sofreu pequenas modificações para adaptá-lo ao novo uso...”, depois, uma nova construção foi erguida ao lado do sobrado para abrigar parte dos funcionários e gerência administrativa.
Foi sob o comando do Dr. Geraldo Melo que a Usina São Francisco passou a ser Companhia Açucareira Vale do Ceará-Mirim. Implantou um consultório com médicos e dentistas para atender aos trabalhadores da Usina e seus familiares, mas acabava atendendo também algumas pessoas da comunidade que procuravam os serviços médicos.
Dentre os profissionais de saúde que atendiam na Usina São Francisco, dois deles passaram pela política, que foram: Dr. Orione Barreto, eleito prefeito, mas que não concluiu o mandato falecendo ainda enquanto estava no cargo e o Dr. Pedro Melo que se elegeu Deputado Estadual, tendo sido antes Secretário de Estado da Saúde.
Assim como dos engenhos diversos, da usina saíram vários políticos como Dr. Manoel de Gouveia Varela (Intendente), Dr. Luiz Lopes Varela (Prefeito e Senador), Dr. Roberto Pereira Varela (Prefeito e Deputado Estadual), Edgard de Gouveia Varela (Prefeito), Dr. Orione Barreto (Prefeito), Therezinha Mello (Prefeita), Dr. Pedro Melo (Secretário de Estado e Deputado Estadual), Edinólia Mello (Prefeita), Dr. Geraldo Melo (Vice-governador, Governador e Senador). Além deles, vários funcionários se elegeram vereadores.
Atualmente a Usina São Francisco, assim como praticamente todos os engenhos do vale estão de fogo morto, deixando inúmeros pais de família sem emprego e transformando o Ceará-Mirim em uma cidade dormitório, e com seu território povoado por fantasmagóricas ruínas que preenchem o que antes eram bueiros e chaminés fumegando a doce fumaça do mel, da rapadura e do açúcar.

Fonte: https://www.facebook.com/profile.php?id=100047608250923

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